De amores e outros sentires

Há algum tempo, mais precisamente quando se pôs em vigência essa tal de lei-seca, deixei de lado os bares e congêneres. Mas sinto falta... Afinal, onde ouvir um papo bonito como o que tentei gravar na memória, mas não logrei salvar detalhes mínimos que enriquecem a conversa. Em síntese, ao no meu modo de entender o que ouvi, foi isso, colhido por acaso numa lanchonete dessas modernas que enfeitam a cidade. 


A moça olha docemente os olhos do rapaz ao seu lado: 

– Você tem muitos amores? Afinal o que são amores?

– Vichi! Tanta coisa!... – responde o guapo.

– Queria ser uma dos seus... De alguma forma.

– O amor é um substantivo comum, pois estende-se num espectro de muitas cores, como a luz filtrada num prisma... (o moço delicia-se com a linda e encantada parceira. E continua) – Amor filial; amor materno, amor paterno; amor fraternal.

A jovem e bela olha-o admirada, como quem capta não o que ouve, mas a energia da explicação subjetiva.

– Amor de amigo... Dizem ser o mais sincero; amor entre pais e filhos inspiram mentiras, mas amor de amigo, não, os amigos podem muito bem não mentir entre si.

Ele pigarreia, medita, busca palavras no íntimo e na memória. A moça espera, paciente, segura de que ouviria algo de belo:

– E tem o amor desinteressado – continua o jovem com ares de poeta –, o amor platônico (que dizem ser como a paixão, mas sem sexo) e ainda o amor romântico, que é ciumento, possessivo, sexual, bruto e terno a um só tempo.

–  Isso é seu ou é literatura?

O moço resmunga alguma resposta que preferi não gravar; entendi que, naquele ponto, ele tentaria despertar ainda mais a curiosidade e o encantamento da moça.

Ah! – pensei com minha sede, enquanto aguardava a água de coco – acho que vou inserir isso tudo na minha crônica da semana.

– Mas conte-me – insistiu a moça –, você  ainda não me respondeu...  Para você, o que é o amor?

– Estes são conceitos meus, minha querida! Só estou concebendo algumas definições, a seu pedido – e retribuiu-lhe os olhares, como quem confessasse estar prestes a se deixar laçar, ou se ferir por Cupido.

Ela olhou mais profundamente nos olhos do moço. Suas cabeças aproximaram-se com ternura e antevi um beijo – que não houve. O rapaz depositou a mão direita no ombro direito da moça, puxando-a para mais perto; ela aceitou o gesto e aninhou-se docemente no colo oferecido.

Levantei-me e saí devagar, sem esperar que o garçom trouxesse-me a água de coco. Senti-me meio que envergonhado por invadir aquele instante mágico. Mas não me envergonho de lhes ter roubado o texto desta página.

Luiz de Aquino

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