Uma paraquedista na minha sala

Sabe aqueles filmes românticos de James Bond em que uma mulher linda e nua desce de paraquedas com champanhe e duas taças? Pois é. Algo parecido aconteceu comigo há algum tempo, mas não tão poético assim.

Estava eu sentado na sala de casa bem distraído na métrica de um poema, quando um estrondo quase me matou de susto, Achei até que a casa antiga vinha abaixo. A princípio fiquei deitado no chão e não conseguia vislumbrar nada porque grande era a quantidade de poeira no ar. Mas quando a visibilidade aumentou, notei que havia algo imenso e vermelho ali bem próximo de mim. Esse é daqueles momentos na vida em que a gente fica meio sem saber o que fazer porque o inusitado nos tira qualquer capacidade de reação.

Fui despertado do torpor por um gemido. Fiquei com a respiração suspensa no aguardo do que se passava, já que ainda não entendia nada. Novamente um gemido. Então caí na real. Há alguém aqui dentro. Como isso é possível não sei, mas que há, há. Então tomei coragem e perguntei: "Quem está aí?" Não ouvi resposta alguma além de pequenos sons abafados. Abri as janelas para expulsar o pó e só então vi que o telhado estava destruído, telhas e madeiramento no chão, e um paraquedas se encontrava estendido bem no centro da sala.

Corri aflito para ajudar quem estava debaixo dos escombros e então pude notar que era uma mulher muito jovem. Tinha um corte profundo na testa e uma das pernas quebradas. Cena terrível de se presenciar. Liguei para a emergência e prestei-lhe os primeiros socorros enquanto isso.

A desventurada paraquedista se chamava Bruna. Jovem, bela e ousada, acidentou-se porque a pressa a vez cuidar mal do equipamento. Fui visitá-la no hospital. Levei flores e votos de melhoras. Ela estava ainda assustada, dava para ver isso em seus olhos da tonalidade dos lagos profundos. Pediu-me desculpas pelo ocorrido, propôs-se a pagar os estragos e, por fim, me surpreendeu com um convite de saltarmos juntos. De jeito algum, respondi. É que tenho muito medo de altura.

Não cobrei de Bruna nenhuma despesa, por mais que ela insistisse. Consertei o telhado, comprei outro notebook e terminei o poema interrompido. Fiz até uma inauguração da nova sala, algo mais restrito, e a convidei para um vinho ao som de B. B. King... Bom, mas isso é outra história.

O que quero ressaltar aqui é que Bruna, talvez movida pelos ímpetos da juventude, continuou afoita e elétrica, o que provavelmente a fez erra pela segunda vez. E embora na ocasião em que caíra sobre meu telhado o paraquedas tenha funcionado de forma errada, agora ele não abriu de jeito algum. Nem o principal e nem o reserva. Ela morreu numa linda manhã de setembro, princípio da primavera, céu de um azul nostálgico quais seus olhos.

Já se vai mais de década que isso aconteceu. E hoje, ao ser surpreendido pelas minhas roseiras em alegria de cores e odores, lembrei-me de Bruna. Ainda olho para o telhado na expectativa de que ela volte de forma tão inusitada quanto antes. Mas seu retorno certo é no meu pensamento, onde viverá eternamente.

Acadêmico Adriano Curado

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