Laura
era uma moça bem prendada e pronta para o casamento. Neste princípio da
década de 1930, no entanto, não diferenciava quase nada das outras
jovens, pois sabia ler francês, tocava piano, bordava e era virgem.
Vários pretendentes já haviam se candidatado ao encargo de desposá-la, e
essa concorrência toda se devia a dois fatores: ela era rica e
belíssima. Mas nenhum dos seus flertes amorosos deu certo porque ela era
absolutamente destemperada. Num instante estava bem, risonha,
comunicativa, e de repente vinha um disparate qualquer, uma ação
despropositada.
E
por agir assim sua fama já se espalhava pela pequena cidade. Ela passou
a ser conhecida como a virgem destemperada. Com o tempo, temerosos de
suas oscilações repentinas de humor, os pretendentes começaram a
escassear, até que minguaram de vez. Ninguém mais queria se aventurar
por aqueles caminhos tortuosos. Laura já andava adiantada pela casa dos
vinte e ainda não havia se casado, o que preocupava sobremaneira seu
pai, o Comendador Freitas. Até a filha do padeiro, que perdera a pureza
com um perigoso galanteador, agora estava casada com um moço de boa
família. E nada de Laura desencalhar. Ou seja, ser destemperada era pior
que ser desvirginada.
Um dia apareceu um moço de fora. Era funcionário público recém-lotado na coletoria federal e por não conhecer a fama, fez a cama. Apaixonou-se pela bela moça de branco que ficava na janela do sobrado elegante, o rosto ruborizado mal disfarçado detrás do leque. Ficou encantado. E o Comendador Freitas, então, era só sorriso porque um partido como aquele não se desperdiça. Mas advertiu a filha para que controlasse, pelo menos até após o casamento, suas doidices.
O
jovem se chamava Alano, e vinha de uma família tradicional da capital.
Logo que ele pediu, e prontamente recebeu, a mão da moça em namoro,
começaram a preparação na casa para impressioná-lo. A tática era impedir
que Laura ficasse muito tempo sozinha com ele, para assim evitar que
seu mau humor se incorporasse. Então começou a peleja. Ele perguntava
sobre o piano e a serviçal aparecia com café. Queria saber algo da
história do sobrado e lá vinha o sequilho. Por que não servem tudo
junto? Laura se limitava a acenar com a cabeça e falar monossilábica,
conforme lhe fora instruído. Cansado de puxar assunto sem resultado,
Alano se despediu e partiu.
No
outro dia ele voltou com rosas vermelhas, mas foi bola fora porque ela
era alérgica e começou a empolar. Ficou três dias nesse estado e com um
humor de cão. Até as criadas a temiam se estava atacada. Quando
finalmente sarou, seu pretendente voltou à carga, mas agora trouxe
bombons. Também não agradou porque Laura era das poucas mulheres no
planeta Terra que não suportava o sabor do chocolate.
E
foi no instante que recebeu a caixa de doces que ela teve seu maior
ataque de ira. Jogou o presente no chão e pisou em cima. Depois gritou
tão alto que o Largo da Matriz inteiro ouviu. E por fim disse a Alano
que o amava porque ele já era o pretendente que mais resistiu até ali.
Ele ficou maravilhado, apaixonado, e ainda mencionou ao Comendador
Freitas, enquanto falava de casamento, que Laura lembrava demais a mãe
dele.
Enfim,
se casaram. O casal foi morar na casa dos pais dele e então sua amada
genitora, que até aquela data mantinha a casa sob severas ordens, com os
homens sob seu julgo, ganhou uma adversária de peso. Duas cobras que se
picam passam a se respeitar. Com o destempero da virgem, Alano
conseguiu um lar de paz.
Conto resumido extraído do livro O tapuia que não falava português.
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