Seu nome era Barnabé e ele vivia
ali pelas ruas da cidade. Era mendigo, pedinte, desabrigado. Só
sobrevivia pela caridade cristã e pelo desprendimento de muitos. Não
conversava quase nada, e às vezes era preciso indagar se estava com
fome. Sempre magro, sujo, barba e cabelo grisalhos e longos. Pés no
chão, mãos de unhas grandes. Ajoelhava-se de costas para a parede e
descansava as mãos na testa, como se estivesse em profundo transe.
Eu
me preocupava com Barnabé porque ele me viu crescer. Sempre gentil e
amoroso, colhia frutinha no mato e levava de presente para nós. Quando
mais moço, ajudava nas tarefas domésticas tipo varrer quintal ou capinar
a calçada. Depois que envelheceu deixou até esses afazeres e vivia em
constante perambulação pelas ruas e praças.
O
mais interessante em Barnabé é que não aparentava qualquer doença
mental. Sabia ler e escrever muito bem e fazia cálculos de matemática de
cabeça. Mamãe me contou que ele aparecera certo dia na casa de vovô.
Parecia um foragido. Nunca disse de onde veio e nem os motivos de ficar
por aqui. Nós também nunca indagamos nada dele.
Havia
ocasiões em que Barnabé desaparecia por semanas. A gente se preocupava,
indagava por ele pela vizinhança. E de repente, assim no nada,
reaparecia sem maiores explicações. Ninguém lhe fazia perguntas e ficava
por isso mesmo.
Não
trazia consigo qualquer documentação pessoal e nenhum pertence, exceto
uma caixinha de metal enferrujado, tipo uma cigarreira antiga, que ele
guardava nos bolsos meio furados dos trapos que trajava. Não bebia, nem
fumava ou usava drogas. Comia de tudo que lhe ofereciam.
Ontem
à tarde mamãe me telefonou e informou de sua morte. Fiquei tão
consternado como se tivesse perdido um membro da família, e creio que o
considerava assim. Foi sepultado hoje pela manhã como indigente porque
não tinha documentação que atestasse quem era.
Agora
eu tenho na mão seu único bem material: a caixa de metal. Faz algum
tempo que a movo para lá e para cá com a ponta dos dedos, sem coragem de
abri-la. Sei lá o porquê. Parece que estou prestes a invadir a
privacidade do morto. Mas por fim abro a caixa e lá dentro tem uma carta
bem conservada, parece que nunca foi manuseada. Diz assim: "Meu
querido, a vida às vezes nos prega peças e nos faz tomar decisões
impensadas. Talvez esta seja uma dessas. Mas eu tenho que ir. Vou
deixá-lo para seguir nesta caminhada com outro homem. Espero que me
perdoe um dia. Você foi o melhor marido que uma mulher poderia ter, mas
para mim é pouco porque quero ir além das estrelas do universo. Sua
Lara".
Essa história é real?
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