Naquela sexta-feira à
noite Olegário e seu velho cachorro saíram para caçar. Foram
próximos ao lago no fundo do tabocal. Era uma noite de lua cheia mas
o céu estava com muitas nuvens, de modo que volta e meia a escuridão
tomava conta, como se alguém houvesse desligado um holofote.
Geralmente se sobe em
árvores para fazer espera de caça, mas por conta da presença do
cachorro, escolheu Olegário ficar na margem do lago, próximo à
canoa deixada ali. Aquela era água perigosa porque alguém teve a
ideia infeliz soltar alevinos de piranha, e quando os peixes ficaram
adultos, comeram toda a fauna local e agora estavam famintos.
Uma sinfonia de grilos,
rãs, corujas e outros notívagos empanturrava a atmosfera daquele
lugar. Conferiu a cartucheira para ver se estava carregada, ajeitou
as tralhas no bornal e se sentou preguiçoso na areia, as costas
descansadas na canoa.
Decorridos uns vinte
minutos que estava naquela posição, ouviu um farfalhar leve na
folhagem ao redor. Nessa hora o coração da gente dá um salto, e
foi o que aconteceu com Olegário ao perceber que algum animal se
aproximava. Segurou firme a cartucheira, prendeu a respiração e se
ajoelhou rápido para surpreender o bicho. Mas não viu nada. E o que
é mais interessante: seu cão continuava ali sereno, sem qualquer
reação. Pensava em surpreender um veado, uma capivara ou até, quem
sabe, uma onça. Só que nada apareceu por ali.
No entanto, o barulho
persistia, e agora estava mais forte e começava a cercá-lo de sons
de passadas leves mas firmes. Quando levantou outra vez a alça de
mira, na suposição de que o animal rastejava para próximo dele, é
que viu que a areia branca estava negra. Milhares de pequeninos
pontos escuros de movimentavam em sua direção, como um exército
que se prepara para atacar o inimigo.
As formigas-correição
se aproximaram com uma estratégia de ataque tão bem-feita que
cercaram Olegário e seu cão completamente. Só lhes restava a canoa
e o lago. Então correram para a pequena embarcação. O cabo da arma
servia de remo. Logo um cardume do perigoso peixe começou a agitar a
água, debatia-se contra o assoalho de madeira.
Só que, de súbito, um
puxão fez estremecer a pequena embarcação. A corda ficou amarrada
na estaca. E agora as formigas carnívoras, organizadas na expedição
macabra em número de centenas de milhares, se aproximavam pela ponte
improvisada. Esse foi o momento do desespero de Olegário. Não
queria ser retalhado nem pelas formigas nem pelas piranhas. O
cachorro permanecia tranquilo, como se tivesse um plano de salvação
para a última hora. Mas seu dono estava trêmulo, nervoso,
desesperado mesmo, e talvez tenha sido por isso que, ao atirar na
corda, errou e ainda deixou a arma cair na água.
Sem uma faca ou outro
objeto cortante, tentou desatar o nó grosso, só que foi inútil. E
já não havia mais tempo, as primeiras formigas enegreciam a proa.
Eufóricas, violentas, vorazes. A margem oposta não estava longe. O
problema era aquela efervescência na água, agitação tão mortal
quanto a das formigas.
Nesse momento Olegário
fez o que lhe parecia ser a única solução. Pegou o cachorro,
beijo-o e o jogou no lago. Saltou em seguida para o outro lado e
nadou o mais rápido que pôde até a areia. Não rápido o
suficiente para evitar que as piranhas arrancassem grandes nacos de
sua carne, arranhassem seu rosto, pernas e braços. Mas enfim,
escapou com vida.
Agora estava esticado na
areia e olhava as estrelas no céu. Sentia muita dor nos ferimentos,
mas não conseguia parar de pensar no sacrifício do cão. A quanto
tempo tinha o animal? Uns dez anos provavelmente. Era já idoso e com
pouco tempo de vida, tentava se confortar. E era provável que não
houvesse sentido muita dor, pois nenhum uivo ao latido seu se fez
ouvir. Adormeceu e sonhou com insetos gigantes e peixes minúsculos e
todos eles se fartavam de sua carne.
Acordou em pânico
quando os primeiros raios do sol roçaram-lhe a face. Ao seu lado
estava o cachorro, a cara entre as patas, o mesmo olhar sossegado e
seguro de sempre. Examinou-o com cuidado mas não encontrou ferimento
algum.
Na verdade, Olegário é
que serviu de boi de piranha.
Adriano Curado
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