Aquela era a última semana do
delegado Valter antes da merecida aposentadoria. Já há um mês ele
evitada problemas na prática do ofício. Agia como um piloto prestes a
concluir a corrida em primeiro lugar e que levava o carro na ponta dos
dedos.
Ocorre
que, para sua infelicidade, finalmente seus agentes conseguiram prender
o temido estuprador que agia na cidade há mais de ano. O bandido estava
cada vez mais ousado, e ao tomar a infeliz decisão de atacar em plena
luz do dia, fora preso por populares que passavam pelo local.
Agora
uma multidão começava a se aglomerar na porta da delegacia com gritos
de justiça. Os agentes que o prenderam caíram fora na desculpa de
trabalho de campo. Restaram o delegado e o carcereiro, mas este último
também não ficou para ver o final da história.
Sem
querer arrumar confusão e com o pensamento numa praia bem distante,
resolveu sair para dialogar. E mal pôs os pés lá fora, tomou um baita
susto porque já havia ali umas cem pessoas.
―
Delegado, não queremos confusão com o senhor ― falou um dos líderes ―, é
só mandar aquele demônio para cá e nós resolvemos o resto.
― Não posso fazer isso. Sou responsável pelo preso.
― Então autoriza a gente a entrar lá e trazê-lo aqui para o pátio.
― Também sou o responsável pelo prédio.
Começou
por aí uma pequena confusão. Alguns queriam entrar na marra e de quebra
dar uns sopapos no delegado. Outros mais moderados ainda negociavam uma
autorização. Enquanto isso aumentava assustadoramente a quantidade de
gente ali aglomerada.
― Com o perdão da palavra, o senhor não tem escolha, delegado ― ameaçou outro líder.
―
Aguardem que a justiça tarda mas não falha ― tentava ainda o trêmulo
delegado ―, punir o homem com as próprias mãos não leva a nada.
― Leva à justiça.
― E o que é a justiça?
― É algo que as vítimas nunca verão.
Como
a multidão já estivesse fora de controle, pedras e paus voavam em
direção à delegacia, o que obrigou o delegado a retornar para o prédio e
trancar a porta. Lá dentro, o estuprador chorava e tremia demais. Sabia
que a sua morte seria trágica e lenta.
― Não deixe que me peguem, doutor.
― E por que eu faria isso por um bandido como você?
― Porque eu sou inocente.
― Mas eles o flagraram enquanto atacava uma mulher.
―
Ela é minha esposa. É depressiva. Deixou um bilhete de despedida e foi
pular da ponte. ― Estendeu um papel que o delegado segurou e leu. ― Eu a
encontrei já quase na ponte e quando fui segurá-la ela começou a gritar
que eu queria estuprá-la.
― E por que não contou isso antes, homem de Deus?
― Quem me deixou falar?
Nesse
momento uma pesada entortou a porta de ferro lá da entrada. Não havia
mais presos ali dentro e nem como fugir. Cabeças já tentavam ver pelos
vidros e alguém forçava a porta dos fundos. Estavam certados. As telhas
se despedaçavam e caíam em cacos sobre os móveis. Mas antes que pudessem
invadir, o delegado se entregou. Começou uma fumaceira e todos tossiam
porque alguém explodiu o armário de guardar gás lacrimogênio. Para
conseguir sair sem se sufocar o delegado protegeu o rosto com o paletó e
desapareceu. E a delegacia toda foi reduzida a pó.
Agora
há três notícias na página principal do jornal. A primeira narra
rapidamente a cerimônia em que se espalhou as cinzas do delegado Valter
sobre o mar. A outra conta com detalhes como o jovem que trocou de lugar
com o delegado conseguiu curar a esposa da depressão para viveram uma
vida feliz. Mas a terceira notícia é
a que ocupa mais espaço e também é a mais alarmante porque conta
que o estuprador voltou a agir.
Adriano Curado
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