Quando eu morava na
cidade de Goiânia, participava de uma patrulha que ajudava moradores
de rua. Não tínhamos nenhuma vinculação religiosa e não
pregávamos nada aos que recebiam assistência. Toda quinta-feira um
sopão era feito no refeitório de uma instituição e a gente saía
à noite para distribuição.
Aprendi muito nessas
patrulhas, principalmente a me despir de preconceitos. Temos o hábito
ruim de rotular pessoas. Se são moradores de rua, logo pensamos em
álcool ou drogas, furtos e promiscuidade. Mas estamos enganados. Há
famílias inteiras bem estruturadas, gente que não alimenta vício
algum e que ainda assim mora na rua.
Conheci em especial um
senhor muito simpático, que agradecia com sorriso amplo nossas
oferendas. Ele morava na praça da Bíblia e durante anos foi nosso
“cliente” nas sopas. Sempre que o encontrava, conversávamos pelo
espaço que o tempo permitia, pois a parada era rápida, já que
tínhamos que percorrer longa rota.
Mas esse senhor, que
descobri ser morador de rua há mais de década, contou-me que morava
na capital paulista, era industrial do ramo de cosméticos e tinha
muitos bens. Seu amplo apartamento era frequentado por amigos e
empresários. Um dia, disse-me, ele resolveu dirigir bêbado e foi o
causador de um acidente automobilístico que matou sua esposa e os
dois filhos. Depois disso, ele transtornou, entregou-se à bebida e,
depois de várias nuances, tornou-se morador de rua em Goiânia.
A história desse homem
me tocou fundo na alma. Conscientizei-me que qualquer de nós, por
mais sólida que seja nossa vida, pode desabar num abismo sem voltas.
O futuro é imprevisível e não temos absoluto controle sobre ele.
Precisamos viver o agora e cuidar dos dias que virão.
Depois que me mudei da
capital goiana, deixei obviamente de participar dessas patrulhas
solidárias e não mais tive contato com os moradores de rua. Mas não
esquecerei nunca mais aquele senhor de tristes olhos azuis que sempre
sorria ao receber um prato de sopa quente.
Adriano Curado
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