A decadência se espalha
Quarto lugar na Copa. Ficou bom? Claro que não! Afinal, quem já foi
cinco vezes campeão não se contenta sequer com o segundo – o envergonhado vice.
Queremos a taça, a copa, o caneco – e o torcedor sequer atenta para o fato de
que o troféu não é mais uma taça ou copa (que tem a forma de um vasilhame para
bebidas). Importante é o título máximo!
Queremos mesmo é gritar “É-cam-pe-ão!” a plenos pulmões por todos os
oito milhões, 513 mil quilômetros quadrados do rincão brasileiro e em qualquer
cantinho onde houver brasucas! Mas temos de admitir: estamos em decadência!
Nosso futebol está em declínio e todos cobram providências!
Que beleza! Gosto de ver a nação assim unida, uníssona, cobrando
medidas! Não gosto de depredações e saques, mas gosto de ver o povo nas ruas. Antigamente, há
pouco mais de 50 anos, tínhamos no Brasil uma Educação de boa qualidade – mas
um nariz torcido ante o academicismo dominante mudou tudo; podiam ter feito uma
reforma gradual, mas radicalizaram... E outros dez anos se passaram para que a
falência atingisse o nosso sistema escolar.
Ainda assim, remanescentes da escola antiga preservaram a qualidade das
músicas e letras que a censura dos tempos de arbítrio não conseguiu calar. A
Música Popular Brasileira, surgida após a Bossa Nova, juntou tudo o que havia
antes e, com a predominância da chamada “geração de ouro” (que o cartunista
Henfil chamou de “os nascidos nos quarenta”), marcou época, trouxe-nos cânticos
que cantamos como hinos de resistência.
Ao fim do regime
totalitário, veio a liberdade, sonhada e súbita. Os que não lutaram por ela
assustaram-se com os tempos novos. Criou-se uma ideologia de plena liberdade,
sem a contrapartida da responsabilidade. A Educação foi deixada de lado e, com
ela, também a qualidade das canções melodias.
O jeito de falar também ganhou uma liberdade estranha, permitindo-se
tudo. Ora: a minha geração tinha vergonha de falar errado e buscava sempre
escrever certo; e vieram os “inovadores”, com um modo de falar “inglesado”, valendo-se
de um “presente contínuo” típico da língua praticada nos “Isteites” – e haja
gerúndio!
Hei de voltar sempre ao tema: agora, quero contar que já vi o nosso
linguajar culto desaparecer – empresários e executivos, professores e
profissionais liberais, artistas e radialistas, jornalistas e recepcionistas
falavam bem; hoje, ouvimos besteiras que nos conduzem a imaginar que estudamos
tanto por nada!
Muito pouca gente, neste Brasil de 200 e tantos milhões, se dá conta da
falência da língua; essa massa é a mesma que gostaria de ressuscitar a música
com a qualidade do Choro, do bom Samba, do Samba-canção, das Valsas, da sempre
apaixonante Bossa-nova e da imortal MPB. Mas a massa ignara – aquilo que John
Kennedy dizia ser a “maioria silenciosa” – sente-se satisfeita ao chamar caso
de “case”, pausa de “brake” e
estojo de “kit”.
O torcedor brasileiro é a nossa maior massa popular contínua, o mais
democrático dos agrupamentos; e é essa massa que lamenta a decadência do nosso
futebol, constatada no último dia 8 de julho ante a Alemanha e confirmada quatro
dias depois pela Holanda.
Aí doeu na massa! E a massa não sabe o quanto dói em outros a desvalorização
da MPB e a invasão da música de baixo nível imposta pelas gravadoras. É preciso
que saibam: nossas coisas – a linguagem, a música e o futebol, que já foram
orgulhos nacionais – decaíram porque a escola, base estrutural da sociedade,
faliu primeiro.
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Texto originalmente publicado em: