Múltiplo Leminski
Alice é uma mulher bonita. Paulo era um homem bonito. Suas filhas são belíssimas. Mas beleza física, digo sempre, é apenas um visual – digamos, um cartão de visitas. Depois dele, vem o currículo de vida (e é preciso considerar que ambos, o cartão e o currículo, são elaborados pelo próprio, e isso se torna um tanto suspeito) e, por fim, a apreciação alheia, o “concurso público”...
Sobre o casal Alice e Paulo – ela Ruiz, ele Leminski – um referencial fortíssimo, para mim, é ligeiramente discreto: os nomes das filhas: Áurea e Estrela – ouro e luz. Coisa de poetas, isso de nominar os filhos com significados definitivos, marcantes.
Na doutrina espírita, contam que nosso nome é escolhido pelo espírito que vai se encarnar. Sendo assim, creio que o espírito que se prepara para a nova vida aconselha os pais, e estes atendem ou não – daí, e considerando os pais teimosos, sou levado a pensar que a escolha se fez por um “espírito de porco” – perdoem-me os doces bacorinhos – ou produtos da teimosia de pais inescrupulosos.
Mas voltemos à família Leminski. Recordo-me que foi Tagore Biran (1958-98) quem me despertou para os textos do poeta bigodudo, lá pelos idos de 70 a 80. Concordei, de imediato: Tagore, como eu, era apreciador especial de Manuel Bandeira (ganhei dele um exemplar de Estrelas da Vida Inteira; o poeta de Do Amor e da Ausência rabiscou sobre seu nome-autógrafo, danificando-o; mas hoje, tantos anos após sua morte, tenho aquela rasura como um modo carinhoso, também).
Em 1991, num voo conturbado de Goiânia a Porto Alegre, com conexão em São Paulo, conheci Alice e Estrela. Como nós (Brasigóis, Coelho Vaz, Malu, José Mendonça, Gilberto...), dirigiam-se a Nova Prata para o II Congresso Brasileiro de Poesia, evento que perdura sob a inspiração e a direção de Ademir Bacca. Ainda no avião, ganhei uma amiga: a menina Estrela, de 10 aninhos. A mãe, obviamente, veio no kit.
Vivemos três dias intensos de poesia e poetas, com os inevitáveis fatos que festejam minha memória. Ao reencontrar Estrela e conhecer Áurea, na última terça-feira, revivi alguns instantes daquele encontro (Alice eu revi duas outras vezes, sempre nos congressos de poesia que Bacca promove). E as reencontrei, feliz, na abertura da grande mostra que acontece até março próximo no CCON (Centro Cultural Oscar Niemeyer).
Ao rever Estrela na festa de abertura, estalou-me na lembrança uma amostra de talento e competência da pequena de dez anos. Na viagem de ônibus de Porto Alegre a Nova Prata, um poeta, naturalmente querendo agradar Alice (autoridade em haicai), compôs meio às pressas um poema no gênero do modelito japonês, num texto “quebrado”, rimando viagem e paisagem. Meio discreta, e não querendo magoar, Alice acolheu bem o haicai; Estrela, não: saltou da poltrona, pôs as mãos na cintura e reclamou: “Ah, é, mãe?! Não está bom, não! Quando o poema é meu você fala que está ruim, mas o dele você diz que gosta?”.
E foi o próprio poeta pé-quebrado quem reduziu o mal-estar, aceitando a crítica da pequena poetisa.
Voltarei já, já ao CCON para apreciar detalhadamente a exposição. Quem gosta de poesia, quem faz poesia, quem lê poesia ou quem apenas sabe que poesia é indispensável até no momento de comprar sapatos, que vá lá! Vai ser encantador revisitar Leminski (ou descobrir Leminski).
Texto do Acadêmico escritor Luiz de Aquino, publicado originalmente em sua página: