Carta ao tempo

(Crônica escrita em 30/01/2009, mas que se despertou feito nova na minha lembrança. Saudade, sem dúvida).

Leitores amigos, já notaram como as pessoas se dividem pelo modo como olham as coisas e a vida? Sim, há os que veem passado em tudo, enquanto outros enxergam o futuro até mesmo nos desenhos rupestres. Alguém, mais bem-dotado que os comuns, disse que o fundamental é vivermos o presente, mas quase todos agem apenas em função do passado e (ou) do futuro; assim, deixam de se ocupar do presente, de viver o momento. 

Conhecemos, ainda, muitas senhoras que, enviuvadas ainda nos verdes anos, enclausuraram-se em vestes escuras e sóbrias e escolheram envelhecer antes que lhe chegasse sequer a idade adulta em sua plenitude. Vejam aí, entre as amigas e parentes de suas mães e avós, e verão que não exagero. E mesmo entre os moços e adolescentes ainda vemos os que cobram de pais e mães viúvos uma castidade desumana.

Convenhamos: viver o presente nos dá mais chances de felicidade, e esta não é um ponto de chegada, mas uma viagem (mais coisas ditas por algum outro pensador, talvez anônimo; mas conheço bem uns dois ou três escribas famosos que não têm escrúpulos em se apoderar das falas alheias). Sofremos muito pelas dores do passado ou pela ansiedade ante o futuro. Enquanto isso, a vida passa, a fila anda e o dia amanhece outra vez, e outra, e outra... 


Ao contrário dos que se vem nos jovens, olho-os e enxergo o futuro. Não quereria, para mim, a viagem de volta, pois sei que cometeria os mesmos erros, sofreria as mesmas dores e as angústias se repetiriam. O mesmo se dá em mim quando perambulo nas ruas de ontem, como as do centro de Goiânia, que aos poucos vai se tornando História. Aquelas ruas de comércio pouco e variado e moradias várias tornaram-se um bazar oriental, com as calçadas entupidas de produtos e transeuntes anônimos. 

O centro, hoje, é ponto essencial de passeio para os que já atingiram os cinquent’anos. Nada de criticar a mudança dos hábitos, mas de curtir saudade com a convicção de que, para os moços, as lembranças se formam agora. Na Rua 4, a poucos passos da Avenida Goiás, encontrei Martônio, velho amigo dos nossos tempos moços nas Ruas 96 e 97, quando até o quintal do Palácio das Esmeraldas parecia-nos vulnerável, especialmente em tempo de jabuticaba. Vinha de par com o pai, Antônio Pereira, a quem fiz uma cobrança sincera: “Siô Antônio, que desaforo! O senhor não vai envelhecer?”. Não, não vai... Ele prefere transformar as lembranças em escritos que, brevemente, vão virar livro. 

Cinco minutos de prosa boa, saudade e esperanças renovadas. Dá-me vontade de falar ao tempo, escrevo, então, esta carta ao tempo... Ou melhor, um poema à mulher de amanhã, escrito num tempo que também já vai longe. Só que, de novo, faço o passado viajar ao futuro, num jogo de ir-e-vir como passos de dança. Algo assim: 

Se eu voltar a viver nos teus sonhos

Se eu voltar a viver nos teus sonhos, 
é certo que chegarei sem pedir licença. 
Será um chegar na noite, 
sem silêncio e sem luar 
porque nada mais senão nós dois 
deve existir.

Será um sonho em que a dor 
há de valer 
na suprema intensidade 
do calor que brotar dos corações. 

E será um sonho 
que nos fará acordar suarentos, 
porque estaremos juntos 
antes que o galo anuncie a madrugada.

Se eu voltar a viver nos teus sonhos 
vou sentir a mudança no cheiro das manhãs, 
lembrando o tempo das flores 
nas mãos que me afagavam. 

Será o tempo de rever noites 
tão nossas / e recordar teu cheiro em mim
 — o cheiro único 
da única mulher em minha cama.

(A mulher na minha cama, 
de cheiro exclusivo 
e carinhos só dela, 
não trazia o feitio 
das noites vazias: era a essência 
da minha carência 
e promete outra vez 
renascer 
quando eu voltar a viver nos teus sonhos).

Meus amigos, pai e filho, se vão, mas não nos despedimos. A tarde, sim, despediu-se no tempo, porque ela, a tarde, é única. A cada fagulha do sol ou cintilar de estrelas infinitas renovamos nossos passos, nossos olhares. Sinto que tudo virá outra vez, mas da mesma maneira como Heráclito definiu o rio e o homem. 

Tudo se faz novo.

Acadêmico Luiz de Aquino

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