Palestra na Academia Goiana de Letras sobre José Sisenando Jayme

A obra de Jarbas Jayme veio a lume quatro anos após sua morte, por iniciativa do filho José Sizenando Jayme (1973). É a maior obra de genealogia jamais publicada no Brasil e teve opinião favorável de Catulo da Paixão Cearense.

José Sisenando Jayme
 
(20 de junho de 1916 – 4 de outubro de 1994)

O notável e honrado Acadêmico José Sisenando Jayme foi o quarto ocupante – como assim designamos os membros efetivos deste Sodalício, pela cronologia – da Cadeira número 8, que tem por patrono Alceu Victor Rodrigues.

Antecederam-no Sebastião Fleury Curado, Joaquim Câmara Filho e José Lopes Rodrigues.

Sucedeu-o Isócrates de Oliveira, também pirenopolino. Hoje, o ocupante da Cadeira 8 é o poeta anapolino Paulo Nunes Batista (nascido na Paraíba).

Tive a alegria de compartilhar com o mestre José Jayme, assim chamado abreviadamente, na condição de seu aluno da Pontifícia Universidade Católica de Goiás, então chamada Universidade Católica de Goiás, desde “1968 – o ano que não terminou”, como está no título de famosa obra do escritor Zuenir Ventura. Éramos, então, a maior turma de Geografia da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da UCG. E por ser o nosso primeiro ano, todos os mestres eram-nos novidades, ainda que Goiânia fosse, então, uma cidade com um pouco menos de 400 mil habitantes – isso implica dizer que os profissionais de nível superior eram, praticamente todos, sobejamente conhecidos. E José Sisenando Jayme era o Procurador do Estado, o Diretor do Liceu, o Diretor do Instituto de Educação de Goiás e, no circuito da própria universidade, era ele um dos pioneiros que lutaram para que existisse a Faculdade de Filosofia, embrião da Universidade de Goiás – o termo Católica entraria mais tarde, como que em analogia à Universidade Federal de Goiás, cuja instituição se dá, efetivamente, em 1960.



Nos últimos meses, venho conversando com vários amigos, familiares meus, familiares dele... E nesse afã, com alguns ex-alunos do saudoso mestre. É bom falar sobre ele! Os comentários e conceitos são sempre precedidos de sorrisos felizes, evidência de que as lembranças são sempre boas.

“Ele era o professor que mais contava casos, tinha sempre algo de engraçado ou importante a nos contar – mas era, ao mesmo tempo, o que mais matéria nos dava. Os casos eram contados, quase sempre, como ilustrações da matéria ensinada” – comenta o aluno José Samuel de Sousa.

O professor de Geografia Física – séries adiante, ensinou-nos Geografia do Brasil – portava sempre uma pasta de couro marrom e, além dela, alguns livros e mapas. Usava um jaleco longo. Suas aulas incluíam, além do uso dominante do giz ao quadro-negro, os citados mapas – vários deles, como de relevo, hidrografia, oceanográfico, climático etc., conforme o tema da aula. Era pontualíssimo (“britânico”, dizíamos dele), não gostava que qualquer de nós chegasse atrasado – a bronca era inevitável – e não gostava de dar segundas chamadas das provas mensais – aplicava zero a qualquer aluno faltoso (o que frequentemente acontecia comigo, que faltava a algumas aulas enquanto lecionava em colégios). A salvação estava num recurso matemático – as médias ponderadas.
O geógrafo José Jayme era versado também em História, o que lhe facilitava as pesquisas
genealógicas, em seguimento ao ofício que seu pai exerceu com maestria.

O professor José Sisenando Jayme usava, ainda, as famosas fichas de aulas. Trazia-as na tal pasta de couro, amareladas pelo tempo, escritas em caligrafia vigorosa e clara. Mas era perfeitamente capaz de, consultando-as, discorrer sobre temas atuais e exemplos recentes – como quando ilustrou o fenômeno dos deslizamentos dos morros. A ficha era antiga, o conteúdo da matéria era claro e o exemplo, atual – ele ilustrou essa unidade com os graves e trágicos deslizamentos em morros habitados do Rio de Janeiro – motivo de um lindo e triste samba da época cujo autor me escapa, mas a canção começava assim: Pisa devagar na lama. / A lama foi / O morro que se desmanchou. / Pisa devagar na lama, / A lágrima que o morro derramou.
"Casas de Deus. Casas dos Mortos. Casa dos Homens" é uma obra em dois volumes, com pesquisa iniciada por Jarbas Jayme e concluída pelo filho José S. Jayme. Mas a obra foi editada após a morte de José, pela filha Maria José (Bizé) Jaime. Prefácio de Oscar Niemeyer.


Os dois volumes de "Pirenópolis - Casas de Deus,
Casas dos Mortos, Casas dos Homens".

Era um crítico severo, com fundamento na Geografia, das atitudes e medidas aplicadas em situações de risco. Tinha receitas práticas para evitar tragédias assim. Ensinava-nos Geografia Física com exemplos e amostras práticos e reais. Certa vez, levou-nos à sua chácara no município de Anápolis, à margem da BR-060. Ali, onde passamos um dia de campo muito agradável, tivemos a confirmação de boa parte de seus ensinamentos, especialmente sobre a contenção de voçorocas – essas fendas enormes, rasgos alongados na terra, que o nosso homem rural chama de grota. Ele construía barragens transversais a distâncias calculadas, de modo que a própria ação das enxurradas – que causam esses rasgos no chão – efetuassem os depósitos de aluviões, construindo naturalmente um novo relevo, amenizando a força das águas selvagens.

Nosso último encontro foi na fundação da Academia Pirenopolina de Letras,
Artes e Música - APLAM. Ganhei dele alguns livros e este autógrafo.
Falava-nos de relevo e vegetação, detalhava a influência do primeiro na formação da flora, discorria sobre os animais como “consequência” da vegetação. Lembrava, à luz da Teoria de Wegener, nossas semelhanças com a África e contava práticas próprias – costumava fazer contatos e visitas às embaixadas africanas em Brasília. Pedia – era atendido – que lhe fornecessem sementes de plantas nativas do continente berço da humanidade e lograra reproduzir boa parte delas em sua chácara. Contou-nos de uma, chamada massala (tenho dúvidas se com SS ou Ç), que tem o tamanho e a forma de uma laranja, mas a casca é lisa e rígida, “gostosa de se comer e produz delicioso suco”, dizia-nos ele – e nos serviu o falado suco.

Algumas obras do mestre José Sisenando Jayme.
De espírito comunitário – como convém a um homem das chamadas humanidades (vale lembrar que o curso pós primário, chamado ginasial na minha geração, até 1943 era dito Curso de Humanidades, e foi o que ele cursou no Ginásio Anchieta, da então Bonfim, colégio em que exerceu o magistério – onde foi professor do nosso confrade Ursulino Leão e responsável por fazer do ex-presidente desta Academia um cronista, no distante ano de 1940. Ou seja, – permitam-me este aposto – o nosso querido Ursulino é o decano dentre todos os cronistas de Goiás, pois exerce essa prática há completos 76 anos)!

Minha turma concluiu o curso em 1971. Por razões financeiras, tive de trancar a matrícula justo naquela última série. Só consegui nova matrícula em 1974, a última turma em série (desde 1972, o ensino acadêmico em todo o país, à exceção do curso de Direito, passou ao malfadado sistema de créditos, pelo qual tínhamos de correr muito entre uma aula e outra, num intervalo de cinco minutos, muitas vezes em outros prédios, atravessando avenidas e a enorme Praça Universitária).

Naquele ano de 1974, meu nome foi para a lista de Colação de Grau pela segunda vez – mas fui advertido de que não poderia colar grau, pois devia matérias (a universidade não conseguia dizer quais...). E foi em 1974 que ele se despediu da UCG. Nossa turma prestou-lhe uma comovente homenagem, fui escolhido como orador. Preparei um discurso escrito e ao término, ele me pediu o texto, e agradeceu mais ou menos assim:

– Obrigado! Tem uns errinhos de português, mas o que vale é o propósito.

Reli várias vezes o texto, mostrei-o a uma querida professora dos tempos do Liceu e ela também não achou os erros que ele dizia haver.

Após nossos anos de relação professor-aluno, passamos a nos tratar como amigos. Ele certamente não tinha mais, para comigo, a postura austera do professor ante seus alunos, mas jamais abriu mão da autoridade sobre mim, e a demonstrava com a fala forte de um pai sobre o adolescente, assim:

– Você está muito gordo! (Sim, eu tinha mais de 95 quilos de peso).

– Ah, professor, não se preocupe, é fruto da idade, cheguei aos 40 anos. – E ele, sem perder a razão, contestava-me:

– Não é coisa de idade, não. É de boca! Feche a boca e emagreça!

E se despedia, tomando caminho.
Tenho comigo lembranças e suvenires de uma noite muito especial para ambos – a noite de 16 de abril de 1994. Os volumes de “Goiás, humorismo e folclore” e “Origem da Família Fleuri”, com sua dedicatória. Foi a noite solene em que instalamos, tendo-a como data de fundação, a Academia Pirenopolina de Letras, Artes e Música. O local foi a Pousada Santa Bárbara, em Pirenópolis, ao lado da Igreja do Bonfim. Tenho uma fotografia, certamente das últimas dele, quando de seu discurso de improviso (o filho Luiz Jaime deve ter consigo uma fita cassete com esse discurso gravado), no qual ele discorreu, sem consultar qualquer escrito, sobre vida e obra dos 26 patronos das primeiras 26 Cadeiras Acadêmicas!

José Jayme discursa na inauguração da APLAM. Nunca mais nos vimos, mas esse evento (16/4/1994) foi o fecho de ouro de u ma vida voltada para a
cultura, o ensino, a ciência e a pesquisa. 

No dia seguinte, ele viajou para Brasília, ficaria na casa da filha Bizé – Maria José Jaime. Lá, sofreu uma queda e no decurso do tratamento, descobriu-se que o câncer, que ele vencera alguns anos antes, estava de volta.

Faleceu pouco depois das sete horas da manhã, exatamente oito horas após a morte de seu amigo, o igualmente querido professor Joaquim Gomes Filho, seu amigo e conterrâneo. Era o dia 4 de outubro, aniversário de Bizé, sua filha primogênita.

Como disse antes, conversei com muitas pessoas, neste agradável exercício de aquecimento (hoje, dizem “esquenta” – temos até programa de tevê com esse nome) que antecede a redação. Dentre estes, a contribuição mais expressiva e fundamentada que obtive foi do notável Nilson Gomes Jaime, agrônomo e pesquisador, que nestes dias desenvolve os passos finais para um livro muito esperado – A Família Jaime/Jayme.

Nilson Gomes Jaime é natural de Palmeiras de Goiás, cidade cuja população, em elevado percentual, descende de famílias da antiga Meia Ponte, a nossa Pirenópolis. A obra “Famílias Pirenopolinas”, de Jarbas Jayme, trazida a lume em 1973, pela iniciativa do imortal cujo centenário de nascimento hoje festejamos, é considerada ainda hoje a maior obra de genealogia produzida no Brasil até os nossos dias.

Jarbas Jayme, pai do nosso José Sisenando, ou somente Professor José Jayme, deixou também outros originais – inclusive o “Esboço histórico de Pirenópolis” – e o filho, também incansável pesquisador, cuidou de publicar, dando continuidade ao conjunto de obras do pai.

Nilson Jaime decidiu pesquisar a família Jaime/Jayme, a partir de Jarbas e José Jayme, e seu livro deverá ser lançado nos albores da próxima Primavera! Já realizou dezenas, centenas (suponho eu) de visitas e entrevistas, pessoalmente ou por telefone, valeu-se de e-mails e das redes sociais para os contatos e “descobriu” e integrou ao corpo maior da família (incluam-se também muitos outros sobrenomes, ou melhor, quase todos os sobrenomes de Pirenópolis e Palmeiras de Goiás), juntando outras unidades da Federação Brasileira.

Não transcrevi aqui trechos desse verbete – que ocupa cinco laudas em corpo 14 – em respeito ao ineditismo e à confiança do autor.

Eu agradeço, cordial e penhoradamente, esta ajuda inestimável e o abraço, primo Nilson Gomes Jaime, pela sua ajuda! 

Post Scriptum – O nosso homenageado era filiado ao Colégio Brasileiro de Genealogia: 

Acadêmico Luiz de Aquino

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