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Gravura: Bernardo França |
Aquela
era uma casa de tolerância famosa na pequena cidade, lugar onde os
homens iam para fugir da rotina massante dos casamentos ou então para
satisfazer à carne mesmo. O lugar era bem antigo, creio que de mais de
cinquenta anos, de modo que por ali já desfilaram incontáveis pessoas
nas passarelas dos sonhos.
As
mulheres que trabalhavam no salão de paredes aveludadas em cor vermelha
viva e rutilante viviam em rodízio. Hoje estavam aqui mas amanhã já
eram saudades. De modo que não adiantava se apegar com ninguém por ali,
tudo era ilusório, temporário, efêmero.
Havia
apenas uma exceção à regra e ela atendia pelo nome de Marisa. Não se
sabe se com tal alcunha teria recebido as águas do batismo ou se era
apenas um nome de guerra. E nem valia a pena saber. O importante é
conhecermos que Marisa estava frequentemente na casa e costumava ser
bastante requisitada pela clientela. Acho até que ganhou bastante
dinheiro com seus afazeres. Mas isso também não vem ao caso porque este
texto não trata de pormenores da tolerância social. É de cunho
artístico. Isso mesmo: artístico.
Além
dos melindres nos labirintos da carne, Marisa tentava desenvolver um
dom artístico – queria ser desenhista. Ocupava um quartinho lá no fundo
da casa, de forma discreta para não trazer problemas aos proprietários, e
lá rabiscava nas horas vagas: animais, plantas, lugares e até pessoas.
Quando pegava maior intimidade com alguém, ela mostrava os desenhos e
sempre ouvia gargalhadas e um conselho para largar mão disso e se
dedicar ao que sabia fazer muito bem. Um cliente mais sofisticado, dono
de uma galeria de arte na cidade, um dia analisou todo o material e
sério, disse-lhe:
– São garatujas.
– São o quê?
– Garatujas – repetiu ele, e ao notar que ela não entendeu, foi mais claro: – Desenho malfeito. Não servem para nada.
Aquilo
soou forte na alma de Marisa. Sim, as mulheres de vida fácil também são
sensíveis, talvez até mais que o restante. E então ela deixou de
desenhar. Jogou fora lápis e papel e foi ouvir os conselhos para se
dedicar mais à profissão escolhida.
Mas
a alma do artista nunca morre, e um dia, quando participava de uma,
digamos, festa comunitária, com muitos casais liberais, viu que poderia
desenhar as silhuetas das mulheres ali presentes. E com o batom rabiscou
no espelho da parede os corpos nus que estavam à sua frente. Foi um
sucesso total. As luzes e as sombras que ela reproduziu chamaram a
atenção do marchand que ali estava, o mesmo que antes chamara seus
desenhos de garatujas.
Marisa
recebeu encomendas de mais reproduções de corpos desnudos, e todas as
moças que ali trabalhavam pousaram para ela e assim eternizaram seus
traços. Foi tanto sucesso que a desenhista deixou a vida fácil e passou a
ganhar dinheiro difícil.
Tantos
anos lutando para firmar os traços do lápis no papel e a inspiração
veio do mundo em que vivia. Vai-se entender o artista!
Adriano Curado
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