Saulo havia saído naquela noite
para uma viagem breve, nada além da cidade vizinha onde pretendia
pernoitar a negócios. Geralmente só viajava com a luz solar porque
quando escurece a visão da gente fica bem limitada. Mas naquele dia
enrolou demais e, embora pudesse sair no dia seguinte bem cedo, resolveu
adiantar o expediente a partir naquela hora mesmo.
Já
eram ali umas nove horas da noite quando atingiu o meio do caminho, e o
trajeto poderia terminar de forma tranquila, pois não havia outros
carros na pista. Ocorre que, logo após uma curva, Saulo viu o corpo de
um homem caído no acostamento. A princípio pensou que se tratava de um
bêbado, mas ao diminuir a velocidade, notou que era um atropelado.
Parou
e tentou telefonar do celular. Sem sinal. Embora numa situação dessas
sempre haja margem a chamadas de emergência, ali estava sem sinal. Que
faço?, pensou. Resolveu que não poderia ir embora e deixar a vítima ali
sozinha no acostamento.
Observou
o homem estendido no asfalto. Tinha uns cinquenta anos, roupas surradas
da lida dura, mãos calejadas, e logo ali na frente a bicicleta toda
torta. Ainda respirava, mas estava inconsciente. Arrastou seu corpo com
cuidado até o lado do passageiro, deitou o banco e o prendeu pelo cinto
de segurança.
Saulo
saiu em desabalada correria até chegar ao hospital público, onde
constatou que já carregava um cadáver. Logo chegou a polícia com
perguntas impertinentes, e olhava as laterais do carro para ver se
estava amassado, e jogava insinuações para pegar alguma confissão.
— Eu o encontrei caído no acostamento da estrada — explicava Saulo para os policiais.
— Ou será que o senhor o atropelou e por remorso veio até o hospital? — insinuou o sargento.
— Não há sinais de colisão no carro — apavorava-se Saulo. — Vejam que está intacto.
— Isso só a perícia dirá durante o inquérito policial.
— Inquérito?
— Por certo que haverá um inquérito para apurar o homicídio.
— Mas eu não cometi homicídio algum.
— Essa questão vai ficar por conta do delegado.
Enquanto
o sargento falava o outro policial se deitava debaixo do carro à
procura de sangue ou outros indícios do atropelamento. Depois de checar
seus documentos, os do carro, fazer o teste do bafômetro, Saulo foi
encaminhado até a delegacia no banco de trás da viatura. Seu carro ficou
no pátio do hospital no aguardo da perícia.
Antes
porém de ser indiciado em um inquérito policial, Saulo recebeu ainda na
delegacia a notícia que era triste e aliviadora. Haviam encontrado o
motorista causador do acidente. Seu carro se desgovernara e ele caíra
numa ribanceira. Estava morto também e no carro tinha sangue da vítima.
Já
era manhã quente quando Saulo foi liberado da delegacia e pôde voltar
ao hospital para pegar seu carro. Desse dia em diante, viajar só de dia.
Nenhum comentário:
Postar um comentário