Só depois que completou cinquenta
anos de vida é que Betinho tomou vergonha na cara e decidiu estudar.
Antes era aquela peleja na sua casa. A mãe insistia, o pai ameaçava, os
amigos troçavam de sua falta de cultura, só com o primário.
A
decisão de Betinho estudar só tinha um probleminha: para chegar à
escola ele tinha que atravessar pelo cemitério à noite. Logo na primeira
aula, quando retornava ali pelas onze horas, algum engraçadinho deu um
grito, quase um urro, próximo dele e o coitado por pouco não sofreu um
infarto de susto. Não quis procurar o malfeitor, apenas xingou e seguiu
para casa. No outro dia, mesmo caminho e hora, outra vez o grito
angustiado o fez estremecer. Tinha absoluta certeza que era algum amigo
ou parente seu que lhe pregava uma peça. Para se resguardar, espalhou a
notícia de que andaria armado e estaria disposto a matar qualquer um,
vivo ou morto.
Na
terceira noite, coração saltitante no peito, revólver engatilhado na
mão, caminhou de cabeça baixa na espera do grito, mas ouviu foi um berro
medonho, som que lhe fez correr pela coluna um calafrio capaz de
arrepiar os pelos do corpo. Seguiram-se batidas curtas de queixo,
farfalhar na grama e por fim um choro de recém-nascido. Correu demais o
coitado e chegou em casa todo sujo por conta do desarranjo intestinal
que se seguiu. Agora acreditava que havia algo sobrenatural ali no
cemitério, provavelmente um demônio ou um defunto mesmo.
Quando
Betinho tomou a decisão de parar os estudos, foi um pandemônio.
Explicou a todos sobre seus tormentos e os convidou para aguardar ali no
cemitério na hora que ele passava e poderiam averiguar o sucedido.
E
assim foi. Onze horas da noite, nevoeiro entre os túmulos, uma brisa
leve no ar, lá vem Betinho com seus livros debaixo do braço.
Repentinamente um urro fez estremecer as entranhas dos que ali estavam
presentes, umas oito pessoas, e entre os túmulos apareceu um centauro,
metade homem metade bode, chorou um bebê, escondeu-se a lua.
Correram
todos em pânico, choros convulsivos e clamores ao céu. Mas Betinho
ficou. Queria esclarecer aquilo de vez. E foi com surpresa que notou que
aquela era uma noite do cio de animais. O bode e a cabra que consumavam
o cruzamento, ele em pé detrás dela, davam mesmo a impressão de um
centauro. O bebê que chorava eram gatos na mesma intenção lúdica. E o
urro? Vinha de uma cripta sepulcral logo ali adiante, mas isto Betinho
resolveu deixar para lá e acreditar que fazia parte do conjunto lascivo
daquelas noites libidinosas ali no cemitério.
Fato
é que Betinho voltou a estudar e apesar de ouvir gritos na escuridão,
não deu mais importância ao fato. Devem ser os gatos, pensou.
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