A moça ficou sentada no cais por
muito tempo, olhos fixos no horizonte distante, lá nas lonjuras onde mar
e céu se tornam um só. Seus pés dependurados no píer roçavam de leve a
lâmina d'água, como se a mente estivesse vazia de pensamentos. Mas não
estava. Ela sabia bem o que desejava e quando a maré subiu decidiu dar
fim à própria vida.
Saltou
então para dentro do mar e como as águas estivessem tranquilas e o
lugar fosse raso, seguiu numa caminhada flutuante à procura do fim.
Ainda que seus pés roçassem o assoalho de areia e ela ficasse de pé, as
águas eram incapazes de cobri-la. Por isso decidiu prosseguir com a
cabeça submersa e os joelhos dobrados. Não deu certo porque o corpo
humano tem defesas contra a autodestruição e ela logo foi forçada a
emergir.
Olhou
então para os lados e viu que já se afastara demais do cais mas ainda
assim era inútil. A ideia de morrer no mar havia nascido na mente da
jovem na manhã anterior. Não tinha motivos tristes ou desavenças
amorosas para assim proceder. Era pintora. Pintora de mares. E embora
nunca houvesse exposto suas telas, julgava que se tratavam de obras de
arte. Então reuniu todos os quadros no apartamento onde morava sozinha e
deixou um poema longo de despedida, que arrematava com a frase: "o mar agora me chama e preciso ir". Assim, julgou, vou alcançar a imortalidade. Pinto a água e morro nela.
E
se pintasse natureza morta? Ou pássaros, sexo, nudez, aquarelas?
Indagou a si mesma no seu caminhar saltitante. Mas eu pinto apenas o
mar. Isso porque não consegue pintar algo mais? Claro que consigo, sou
uma pintora de talento. Então prove! Ainda travava esse diálogo com seu
"eu interior", quando, ao tencionar retornar para o píer, seus pés
escorregaram para o abismo que ela tanto procurava. Foi um mergulho
rápido direto para a garganta dos oceanos, de onde uma corrente marítima
a catou e a levou para distante. Seu vestido branco acenava lá das
profundezas esmeraldinas.
O
corpo da pintora jamais foi encontrado e dela não tivemos mais
notícias. Suas pinturas foram descobertas, o poema lido, mas não eram
telas que valessem tanto e por isso as distribuíram e esqueceram a
história.
Mas em uma ilha caribenha há relatos de uma pintora de sonhos. E dizem que é muito talentosa.
Adriano Curado
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