Quando Juliana, a filha do
marceneiro, ficou cega assim repentinamente, todo mundo ficou sentido
demais porque uma coisa é nascer sem visão e outra é perdê-la depois.
Uma judiação aquilo. A coitada era muito alegre e altiva, mas depois do
incidente, parece que a vida se apagou em seu semblante. Trancou-se ela
no quarto e de lá não saía para nada. Nenhum oftalmologista conseguiu
diagnosticar com precisão seu problema. Até para a capital ela foi
levada e nada de haver uma causa para seu mal.
Juliana
ficou cega ironicamente numa tarde de muito sol, quando passeava com
suas amigas pelo parque, no caminho de volta da escola. Tiveram que
levá-la de volta para casa amparada e aos prantos. Isso foi há dois
meses. Achavam que o mal seria provisório, mas parece que não há mais
retorno.
Ocorre
que Juliana certo dia desapareceu de sua casa. Procuraram por todos os
cantos possíveis da cidade mais ela não foi encontrada. Isso parecia um
absurdo porque uma moça cega, que não nasceu assim, não poderia ir longe
sem ser vista. Mas ninguém soube do seu paredeiro. Depois de uma
semana, no entanto, desistiram. A hipótese mais porvável era a de que
recebera a intervenção de alguém. Rapto? Sequestro? Não havia respostas.
A
vida é assim. Depois de algum impacto violento, as pessoas tendem a
voltar à rotina, retomar o cotidiano. E foi assim que a pequena cidade
logo deixou para trás o sumiço e cada qual seguiu o destilho que lhe é
reservado. O marceneiro, seu pai, voltou a fazer móveis, sua mãe a
cuidar da casa, e por aí vai.
Um
ano se passou e ninguém mais falava nela. Até que apareceu na cidade um
jovem bem aparentado e que, ao ver o retrato de Juliana na parede,
disse:
— Eu conheço essa moça.
— Ela é nossa filha que desapareceu.
— Eu sei onde ela está.
— Sabe? Onde está? — Respondeu o aflito pai.
— Num cabaré na capital. Ela é a estrela da noite. Todos a chamam de Madame Butterfly.
— Seu insolente mentiroso! Como ousa denegrir assim a memória de minha filha castra?
O
rapaz foi expulso da cidade debaixo de chicotadas. Mas aquela história
virou uma pulga atrás da orelha do marceneiro, até que foi para a
capital apurar. De fato, conseguiu ele descobrir, havia ali uma Madame
Butterfly num cabaré. Era a mais bela de todas as moças e os homens
pagavam fortuna para tê-la por uma noite de amor. Ele então tomou
coragem e foi conferir. Chegou ao local e se sentou numa das mesas com
abajur furta-cor. Assistiu várias apresentações que não lhe chamaram a
atenção. Até que o locutor anunciou que o espetáculo principal
começaria. E o marceneiro então viu diante de seus olhos uma imagem que
chamais esqueceria. Seminua e belíssima, cabelo encaracolado, maquiagem
pesada, sua filha Juliana se apresentou numa performance espetacular
para a estasiada plateia. Notas voavam pelos ares em sua direção e
fortes seguranças a protegiam contra os mais ousados.
À
porta do cabaré, já quando quase amanhecia o dia, o marceneiro se pôs
diante da filha. Um brutamonte quis empurrá-lo mas ela o impediu.
Entraram os dois no luxuoso carro e enquanto o motorista particular dava
voltas pelas ruas já desertas, ele indagou:
— Por quê?
E ela respondeu:
— Não há porquês.
— E sua cegueira?
—
Pretexto para desviar atenções, para que pensassem nas dificuldades de
uma cega em vez das possibilidades de uma mulher. Daí para subir
clandestina na carroceria dum caminhão e me tornar a dama da noite foi
obra do destino. Eu nasci para isso, papai, e vim seguir minha sina.
O
marceneiro voltou para casa triste e pensativo. E quando os conhecidos o
indagavam se tinha encontrado a filha ele apenas respondia:
— Não. Infelizmente não era ela.
Adriano Curado
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