Quem visse Margarida naquele
cavalgar solitário na praia jamais suporia que ela fugia do noivado
arranjado. Ela saiu nos primeiros raios do sol, ainda sem rumo certo, e
levava consigo apenas a obstinação de não se deixar servir de moeda de
troca política. A abolição da Escravatura atingira a família Fonseca do
Amaral em cheio e agora o coronel Ernesto, pai da fujona, via na filha a
única saída para seus problemas financeiros.
Com
esse pensamento, prometera Ernesto que Margarida se casaria com o
coronel Marivaldo de Castro, rico exportador do Ceará. E deslocaram-se
pai e filha, do sertão de Goiás até a cidade de Cascavel. Acontece que
Margarida viu o velho Marivaldo e se revoltou.
― Não caso.
― Ficou louca, menina? Sou seu pai e ordeno que me obedeça. Casa nem que seja na taca do cabresto.
― Não caso.
―
Você tem noção plena da nossa situação? Sabe que vamos perder até a
fazenda? E para piorar eu investi todo o dinheiro que nos restou nesta
viagem. Contratei a jagunçada para nos proteger e trouxe um bom dote
para o noivo.
― Mas ele é muito feio, papai!
― Isso não importa mais. E ele é velho, logo morre e você herda tudo.
―
Não vou ser sua moeda de troca, coronel. Se minha mãe estivesse viva,
não permitiria tamanha atrocidade. Mas ela preferiu morrer do que aturar
o senhor.
Naquela
mesmo dia ela levou uma surra de dar bambeira nas pernas. Foi então que
tomou a decisão desesperada de cavalgar até onde a alcançassem. Quanto o
coronel Ernesto descobriu o ocorrido, ficou furioso, reuniu seus homens
e saiu no encalço dela. Margarida já estava bem longe porque foram
alcançá-la ainda na praia já perto do meio dia. Seu cavalo pequeno e
velho se cansara e não aguentava mais correr. Seu longo vestido branco
esvoaçava na ventania do mar mas não deixava entrever o punhal. Se me
pegam, pensava, me mato. Os vinte jagunços a cercaram e seguraram na
rédea do cavalo. Seu pai vinha atrás ofegante e cansado daquela marcha
puxada. Não era mais jovem e o ódio que sentia aumentava a sensação de
mal estar.
Fato
é que o coronel Ernesto apeou num salto, derrubou Margarida do cavalo
e, quando levantou o chicote para puni-la, sentiu um forte dor no peito e
caiu de cara na areia. Ninguém chorou sua morte e nem tentou ver se o
reanimava. Mas quando os jagunços cercaram a moça para abusar, ela sacou
o punhal, rasgou a garganta de um, abriu a barriga de outro, e quando
finalmente conseguiram detê-la e rasgaram seu vestido, foram mortos
pelos homens do coronel Marivaldo que chegaram a tempo.
O
corpo do coronel Ernesto está até hoje no cemitério de Cascavel. Por se
recusar a casar, Margarida foi compreendida pelo sensato noivo, que
além de lhe devolver o dote, ainda forneceu escolta pessoal de volta
para casa.
― A amizade perfeita apenas pode existir entre os bons, já dizia Aristóteles. Não se preocupe que a protegerei.
O
Sr. Everaldo Maciel me contou ainda que Margarida vendeu a fazenda do
pai e foi morar na cidade, onde morreu velha, solteira e arrependida de
não ter se casado no Ceará. Ela concluiu que nunca encontrou um homem
tão cavalheiro e sábio quanto o noivo feio e velho.
Adriano Curado
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