Foi com a chegada do inverno que João se mudou para a cidade. Viera transferido pela
empresa de engenharia que construiria parte do porto. Ele era um
engenheiro muito requisitado e competente, por isso não teve dificuldade
de se encaixar no mercado, quando finalmente o porto foi inaugurado e a
empresa partiu.
Morava
ele bem próximo de Alice, uma moça meiga e alegre, filha de seu novo
chefe. Começaram a sair e se descobriram com mais afinidade que
supunham. E depois de seis meses de intenso relacionamento, finalmente
veio o casamento. O sogro ficou satisfeito, deu-lhe uma promoção, fez
questão de comprar uma casa nova para os recém-casados. Também não
tardaram a encomendar um herdeiro - Felipe.
E
por cinco anos aquela família viveu em constante harmonia e paz. João
prosperou tanto profissionalmente que deixou o sogro e montou escritório
próprio, contratou gente, ampliou as instalações.
Só
que Alice era ex-namorada de Manoel, uma jovem problemático, bipolar e
drogado. Por conta dos destemperos do moço é que o relacionamento havia
chegado ao fim. Só que ele jamais aceitara. E um dia, enquanto João
estava no escritório, Manoel apareceu na casa de Alice. Ela tentou
barrar-lhe a entrada mas ele era mais forte e forçou a porta. Avisou que
não estava ali para brincadeiras, que queria reatar o romance e que não
aceitaria um não como resposta. Finalizou antes de sair:
— Eu mato seu marido e seu filho na sua frente.
Desesperada,
Alice não contou nada a João e pediu para não ficar mais ali sozinha.
Então passou a esperar o marido na casa do pai, onde ele a buscava
depois do trabalho. Certa tarde, depois que o filho dormiu, chegou uma
mensagem em seu aparelho celular: "precisamos ficar juntos outra vez e
quero uma resposta até amanhã à noite".
Com
medo, jogou o celular no chão, quebrou-o e pisou nas peças. Olhava pela
janela regularmente, mas sabia que naquela casa o malfeitor não
entraria porque havia seguranças. Passaram-se então cinco dias, Alice já
estava mais tranquila. E num final de semana, de volta à sua casa,
quando seu pai e o marido conversavam amenidades, Manoel arrebentou a
porta do fundo. Trazia uma pistola na mão e muito ódio no olhar. Estava
visivelmente drogado.
— Que é isso, moleque? Que acha que vai fazer?
O
pai de Alice gritou com o outro e recebeu dois tiros contra o peito.
João também foi atingido com outros dois disparos. E embora tivesse o
menino na mira da arma, Manoel não atirou, mas perguntou a Alice:
— Por que não me respondeu?
Ela
tentou argumentar algo mas não conseguiu articular palavras. Tremia e
chorava bastante, olhava assustada o filho que chorava. Ouviu-se então o
estalido da arma que engatilha.
— Pergunto outra vez por que não me respondeu?
— Porque não o amo.
Ao
ouvir tais palavras, Manoel ficou transtornado. À sua volta estavam as
duas vítimas caídas numa poça de sangue. O menino chorava e estendia os
braços para a mãe. Ouvia-se ao longe as sirenes da polícia.
— Você vem comigo.
— Não vou, não.
— Quer que eu liquide o menino?
Saíram no carro e Manoel e desapareceram. Vieram os vizinhos, a polícia, o resgate. João e o sogro estavam mortos. Felipe foi levado para um abrigo enquanto prosseguiam as buscas pela mãe, suspeita do duplo homicídio. Mas ela nunca foi encontrada.
Agora Felipe já cresceu, atingiu a maioridade, e portanto recebeu do curador judicial todos os bens que herdara. Caminha nesse momento pela orla do cais que o pai construíra há duas décadas e pensa na tragédia daquele dia fatídico. Embora fosse tão novo, a cena toda ainda estava viva na sua mente. Sabia que a mãe não fez nada daquilo, só não entendia o que havia acontecido com ela e com o homem armado. A polícia procurou por muitos meses mas por fim desistiu das buscas. Nenhuma pista do paradeiro da jovem Alice.
Ele para então na beira do cais, olha para a água escura e com espumas. Há navios atracados e ouvem-se os sons dos marinheiros. Tem uma fotografia dos pais na mão. Talvez algum dia descubram o que ocorreu com a mãe, quem sabe achem o carro com os corpos dentro do mar ou pode ser até que ela esteja viva em algum lugar.
Felipe parte solitário e sem rumo naquela manhã fria. E não tarda que a neblina o torne invisível. Cá dentro d’água boia uma fotografia antiga.
— Você vem comigo.
— Não vou, não.
— Quer que eu liquide o menino?
Saíram no carro e Manoel e desapareceram. Vieram os vizinhos, a polícia, o resgate. João e o sogro estavam mortos. Felipe foi levado para um abrigo enquanto prosseguiam as buscas pela mãe, suspeita do duplo homicídio. Mas ela nunca foi encontrada.
Agora Felipe já cresceu, atingiu a maioridade, e portanto recebeu do curador judicial todos os bens que herdara. Caminha nesse momento pela orla do cais que o pai construíra há duas décadas e pensa na tragédia daquele dia fatídico. Embora fosse tão novo, a cena toda ainda estava viva na sua mente. Sabia que a mãe não fez nada daquilo, só não entendia o que havia acontecido com ela e com o homem armado. A polícia procurou por muitos meses mas por fim desistiu das buscas. Nenhuma pista do paradeiro da jovem Alice.
Ele para então na beira do cais, olha para a água escura e com espumas. Há navios atracados e ouvem-se os sons dos marinheiros. Tem uma fotografia dos pais na mão. Talvez algum dia descubram o que ocorreu com a mãe, quem sabe achem o carro com os corpos dentro do mar ou pode ser até que ela esteja viva em algum lugar.
Felipe parte solitário e sem rumo naquela manhã fria. E não tarda que a neblina o torne invisível. Cá dentro d’água boia uma fotografia antiga.
Adriano Curado
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