Durante doze anos, Paulo ficou
preso por um crime que não cometeu. O processo foi longo e tendencioso. O
juiz não apreciou as argumentações da defesa com a devida atenção, só
lhe interessava ouvir as vozes da multidão que clamavam por justiça. E o
resultado foi uma pena de vinte anos de reclusão em regime fechado.
Mês
passado, no entanto, o verdadeiro criminoso se entregou à polícia.
Confessou que fora ele, na verdade, que violentou e matou a vítima, uma
jovem que aguardava o ônibus. Confessou porque estava com tumores
generalizados pelo corpo, sem qualquer expectativa de sobrevivência. E
para provar que falava a verdade, entregou à polícia uma peça íntima da
vítima que guardara como suvenir.
Morreu
o monstro há dois dias. E Paulo, mesmo com a confissão do verdadeiro
bandido, demorou ainda a ser posto em liberdade. Ou seja, a morte chegou
primeiro que a sentença absolutória. Mas o que interessa é que agora,
depois de tudo que passou na prisão, e os estupradores não são bem
tratados ali. Paulo está livre.
Quando
o portão de ferro se fecha atrás dele e a rua à sua frente parece uma
infinidade de asfalto e pessoas, um certo nervosismo toma conta de seu
corpo. Que fazer agora? Não tem um lar porque sua casa fora incendiada
pela multidão enfurecida. Não tem uma família porque a mulher se
divorciou dele e seus pais estão mortos. Não tem uma profissão porque só
aprendeu a ser um braçal e a idade já não lhe permite tais
extravagâncias. Fazer o quê?
Enquanto
caminha a esmo, mochila com trapos jogada nas costas, sem dinheiro
sequer para um café, pensa em como saborear a liberdade
recém-conquistada, ainda que tardia. Então se lembra do casebre à beira
da estrada, lá no sertão longínquo, onde morava seu avô. Ou será que
ainda mora? Aquele é o lugar aonde pretende ir. E entre decidir o rumo e
ter condições de para lá se deslocar, passam-se dois meses de trabalho
na doca. Dormia ali mesmo no cais do porto, entre carga e descarga de
navios.
O corpo já cansado reclamava, mas não havia
solução, tinha que aguentar o tranco. Quando por fim conseguiu a passagem, partiu para o interior.
Agora
Paulo está ali parado na estrada, ainda sumido na poeira da condução
que o deixou. O coração saltita porque faz vinte anos desde que ali
esteve pela última vez. Que é feito do avô? Provavelmente está morto
porque senão já estaria com quase cem anos.
Atravessa então a estrada, bate palma na frente da casa, espera. Um cachorro late lá no quintal, e é para lá que vai devagar.
Debaixo
duma mangueira centenária, um velho de cabeça bem branca balança ao
ritmo do vento numa cadeira. É o avô, vivo e lúcido. Abraçam-se
emocionados, e assim permanecem por longos minutos de silêncio.
― Paulo, meu neto amado, por onde andou?
― Perdido por aí, vovô.
― Sua avó não está mais aqui.
― Eu sei, vovô.
― Não tem mais ninguém aqui comigo! ― faz uma pausa e completa: ― Você quer morar aqui comigo?
O
abraço de Paulo é a resposta. E agora os dois moram naquela casa
humilde à beira da estrada quase deserta. E ele têm muitas histórias
para contar porque a liberdade foi alcançada em sua plenitude.
Acadêmico Adriano Curado
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