Eu conheci de vista a moça que morreu. Ela aparecia no terraço do prédio em frente ao meu. Ia sempre descalça,
vestidos curtos, cabelos presos. Caminhava por lá ao entardecer,
fumava um cigarro, olhava enigmaticamente para baixo. Não era raro
se arriscar um pouco mais nas beiradas do abismo.
Achei
que fosse apenas uma solidão que se expressa, uma artista em busca de
melhor inspiração ou mesmo alguém que desejava encontrar algo distante.
Nunca imaginei que um dia ela pularia de lá. Alguém
chegou a cogitar a hipótese de que a empurraram, mas eu sei que não
foi isso porque sempre a via caminhar no lugar da queda. Trocamos
olhares algumas vezes, mas seus olhos azuis eram vazios de
significado, ausentes de expressão. Acho que nunca me viu realmente.
Ela vivia em outro tempo, outro espaço.
Agora há pouco cheguei em casa e soube que ela
pulou lá do terraço. Por que não pulou logo que começaram suas
incursões? Por que não correspondeu aos meus olhares? São
perguntas que ficarão sem resposta para sempre. Comentaram que ela
morava sozinha, não tinha amigos, vivia de rendas, essas coisas.
Daqui a pouco vão tirar seus pertences lá do
apartamento, mandar para sua família em algum lugar. Depois outros
se mudarão para lá. E em breve ninguém mais se lembrará da moça
bonita no terraço. E a vida continua...!
Adriano Curado
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