A intenção de Norberto até que era
das melhores. Apaixonado pela filha do comissário de polícia e
correspondido, resolveu procurar o pai da moça para namorar e foi
surpreendido por um não. Voltou para casa arrasado e pediu que seu pai
fosse lá ter um particular com o homem, mas é que Serena já estava
comprometida com um moço da capital.
Essa
explicação revoltou demais Norberto. Pensou o seguinte: se ela me ama e
eu a amo, então temos que ficar juntos a qualquer custo. A ideia da
fuga surgiu de imediato mas a prática demorou um pouco. A moça concordou
na hora com a ideia, mas faltavam ainda detalhes importantes. Para onde
ir? Como sobreviver por si só. Pediu ajuda ao pai que de pronto negou e
ainda o repreendeu. Avisou que o comissário era pessoa conhecida por
sua truculência e que um ato desses era morte na certa.
Depois
de duas semanas de conjecturas, Norberto tomou uma decisão radical e
impensada: mandou recado para que a moça o aguardasse naquela noite
mesmo. Mal a escuridão desceu, já partia o casal colina acima a galope
até que entraram na mata fechada e a escuridão absoluta não os deixou
prosseguir. Até nisso faltou planejamento, pois deviam ter escapado em
noite de lua cheia e sem nuvens. Parados ali no meio do mato, as
montarias resfolegantes, os corações aos saltos de apreensão, veio a
pergunta: — E agora?
Certamente
que o pai da moça só daria por sua falta quando amanhecesse e até lá
teriam algumas horas para distanciar da povoação o mais possível. Não
era bom seguir por estradas porque o comissário tinha índios batedores
que sabiam rastrear fugitivos, mas não restava outra solução. Numa
situação dessas, onde pouco ou nada se enxerga, é melhor deixar que a
montaria siga algum caminho. E foi o que fizeram. Com pouco prazo
pararam num rancho. Acenderam o candeeiro, queimaram lenha no fogão e
soltaram os cavalos num curral. Não tinham a intenção de fazer nada de
muito íntimo até que um padre abençoasse a união, e por isso dormiram
abraçados, mas respeitosamente. Acordaram esbaforidos com o sol pelas
frestas das portas e janelas.
— Dormimos demais — desesperou-se Norberto.
Arrearam
os cavalos e saíram em nova correria, mas agora pelo menos sabiam onde
estavam as árvores. Deixaram que os cavalos os guiassem novamente e o
galope foi mais intenso. O pangaré de Norberto quase não conseguia
acompanhar o puro sangue branco da moça e foi com muito custo que
chegaram juntos ao mesmo povoado que haviam abandonado na noite
anterior. É isso que dá confiar em cavalos, eles sempre querem desarrear
em casa. Quando finalmente os galopes estancaram no largo da Matriz, lá
estava a população toda no aguardo. O comissário de polícia veio até
eles, bigodões de malvadeza, olhos negros e pequeninos de cobra, segurou
a rédea do cavalo da moça, apeou-a pela cintura. Um dos seus capatazes
derrubou o outro de qualquer jeito.
—
Vou ser bem claro aqui. Minha filha única está prometida ao seu futuro
noivo. Fez um ato impensado, próprio da juventude. Embora tenha dado a
palavra ao seu pretendente, não quero que fique mal falava. Então vou
levá-la ao boticário para exames íntimos. Se esse homem aqui — apontou
para Norberto — buliu na inocência dela, terá que se casar na marra ou
no murro. Se não o fez, então o noivado continua confirmado.
E
assim se fez. O boticário atestou que Serena continuava pura, o noivo
feio veio, noivou, casou e se foi. E Norberto ficou solteiro e ainda
serviu de chacota dos conterrâneos. Esse foi o preço que pagou por
tamanho respeito.
Adriano Curado
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