Marinho não teve paz desde que se
mudou para aquele casebre. Contratado para tomar conta do rebanho do
coronel, foi morar lá na nascente do riacho, ao pé da serra, numa
solidão de dar dó. Sem esposa e filhos, não lhe restava outra companhia
que aquele cachorro vira-latas.
Mas
falávamos do desassossego do pobre Marinho, que uma semana depois de se
mudar para o retiro ermo, deu de ver um cavaleiro na alta madrugada. Na
primeira vez ele até achou que se tratasse de um viajante perdido
naquelas paragens, porque não havia saída para além das veredas. Uma
serra muito alta cercava tudo. Então se alguém aparecesse por lá é
porque estava mesmo perdido.
Com
esse pensamento, saiu ele com o candeeiro numa mão e a carabina noutra e
aguardou que o visitante se achegasse. Era uma noite nublada e
entremeio contornos do luar conseguiu vislumbrar cavaleiro e cavalo
parados a cerca de cinquenta metros. Esperou por algum tempo e depois
não os viu mais. Na noite seguinte, a mesma aparição. E nas outras
também. Não dizia nada e nem se aproximava muito. Seu cachorro urrava a
não poder mais, e era quase um choro lamentoso que exprimia.
Durante
o dia Marinho trabalhava à vontade nos afazeres de vaqueiro. Levava o
gado para a aguada, sempre na cisma das onças que moravam naquele pé de
serra. Consertava cercas, limpava o quintal, a casa, e por aí vai. Não
passava uma viva alma por ali. Se acontecesse algum acidente mais sério
com ele, algo como uma ofensa por cobra ou uma perna quebrada, o morador
mais próxima estava há cinco dias dali. Por isso precisava ter cuidado
redobrado. De dia suas preocupações eram essas. Mas quando descambava a
noite, sua ansiedade aumentava com a possibilidade de receber a visita
estranha.
Depois
de um mês apareceu alguém para rendê-lo no serviço. Era um moço chamado
Aníbal e fora enviado pelo coronel. Marinho até pensou em adverti-lo
mas preferiu se calar. Se fosse o caso, ele descobriria por si só.
Voltou para a sede da fazenda, recebeu o pagamento e foi gastar parte do
dinheiro com os divertimentos da rua. Com duas semanas de folga, eis
que chega um mensageiro do coronel, e ele foi outra vez contratado para o
serviço. Disseram-lhe que Aníbal ficou pouco no posto e pediu para sair
sem maiores justificativas.Mas seus companheiros de
noitada descobriram que, na verdade, o homem fora encontrado morto.
E
foi assim que Marinho voltou ao retiro no pé da serra. Levou consigo o
cachorro companheiro, a carabina e muita bala num bornal. Borrifou nas
imediações, por precaução, a água benta abençoada na missa de domingo.
Mas o cavaleiro não apareceu dessa vez. As noites se tornaram
silenciosas e calmas. Ainda bem que assim foi, pois desta vez havia
levado mantimento para ficar três meses direto no posto, porque o
coronel estava com dificuldades de arranjar alguém que quisesse labutar
tão longe.
Com um mês e meio, a solidão era tamanha que
Marinho já chamava à noite pelo cavaleiro misterioso. Chegou mesmo ao
desplante de deixar a porta aberta, caso o visitante quisesse apear para
dois dedos de prosa. E nada. A situação mudou depois que um temporal
desabou furioso e a chuva levou a magia da água benta. Naquela madrugada
lá estava o vulto negro do cavaleiro contra o reflexo do luar. Tremeu
Marinho de pavor, urrou seu cachorro vira-latas.
A
solidão enlouquece as pessoas, torna-as sem juízo e afasta o dever de
cuidado. E digo isso porque saiu Marinho na direção da aparição,
candeeiro numa mão, carabina na outra, olhos esbugalhados e coração aos
saltos. O outro permanecia ali inerte, mas era possível ouvir a
respiração tensa do cavalo igualmente imóvel. Quando chegou a menos de
dez metros, o cavalo começou a se mover em sua direção e esse inesperado
ato estremeceu todo seu corpo de tal forma, que o candeeiro caiu e se
apagou. Tinha agora apenas uma penumbra de vultos que apareciam e se
dissipavam no nevoeiro.
— Quem é você? O que quer de mim? — gritava desesperado.
Mas
tudo isso era inútil, pois o outro continuava entre aparece e some nas
sombras oscilantes da noite. O primeiro pipoco da carabina ecoou naquele
pé de serra e seguiu para as lonjuras incalculáveis. Já o segundo e o
terceiro abalaram mais as entranhas de Marinho. O quarto foi acidental e
fatal. Pisou ele em falso num buraco e caiu sobre a arma. Logo à
frente, um toco queimado de jatobazeiro continuava a desenhar em
silhueta a figura de um cavaleiro montado.
Adriano Curado
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