Depois de passado um ano da morte
do último morador, a placa de "vende-se" foi retirada do sobrado em
frente de minha casa. Mudou-se para lá um casal jovem, ambos na casa dos
trinta anos, bonito e educado. Como é de praxe quando chega vizinho
novo, todo mundo foi observar se a mobília era de primeira, se havia
máquinas de lavar louças, roupas etc. E no caso tudo estava nos
conformes porque o caminhão da mudança despejou na calçada um material
novinho, com o plástico da loja.
De
imediato mandaram pintar a casa, dar um trato no jardim e refazer
defeitos na calçada. Os dois também fizeram questão de cumprimentar a
vizinhança e agradar com mimos gastronômicos. Um encanto, tanto Marcos
quanto Margarida. Ele era corretor de seguros, ficava o dia fora na
ocupação de mostrar imóveis, e ela uma arquiteta que trabalhada em casa,
sempre envolta em cálculos complicados.
Com
um mês na nova moradia os recém-chegados já eram alvo da fofoca da rua.
Cidade pequena tem disso mesmo, as pessoas se preocupam demais com a
vida alheia. Comentavam a boca pequena que Margarida era infiel.
― Tem certeza disso? ― ouvi dona Miguela indagar de Joana da Padaria outro dia.
― Certeza absoluta. Eu mesma vi a desavergonhada receber um homem pela porta dos fundos e logo que o marido saiu.
― Pela porta dos fundos? Então a coisa é séria mesmo.
― Ele chegou, abraçou a mulher, fez uns afagos e depois sumiram lá para dentro da casa.
― E como ele era?
― Rapaz uns dez anos mais novo que ela. Bonito de se perder o fôlego.
Até
eu confesso que fiquei com ódio daquela mulher infiel. Onde já se viu
isso, esperar o marido sair de casa para receber um amante?! Só que
guardei essas impressões para mim, não sai por aí como dona Miguela e
Joana da Padaria.
A
coisa estava nesse pé quando eu mesmo presenciei algo muito estranho.
Marcos saiu para o trabalho pontualmente às sete horas, como fazia todos
os dias, e de imediato chegou um moço loiro, alto, que estacionou a
moto no fundo da casa. Minha curiosidade não era tanta que me forçasse a
espioná-los pelas frestas das cortinas e eu fui trabalhar no meu novo
romance.
Só
que aí chegou a festa de São Sebastião e a rua inteira foi interditada.
Todos os moradores compareceram. Houve quermesses, barraquinhas,
leilões. O padre até celebrou uma missa. E não é que, no meio da festa,
aparecem Marcos de mãos dadas com Margarida, acompanhados do tal amante
misterioso?! Dona Miguela e Joana da Padaria quase tiveram um mal súbito
ali mesmo. Tinham acabado de receber a comunhão na missa e já pecavam
ao pararem em frente ao trio para xingar:
― Você não tem vergonha de fazer isso com o seu marido? ― disse Joana da Padaria.
― O que a senhora diz?
― Ela diz o que você bem sabe ― intrometeu-se dona Miguela ― mulher infiel!
― Infiel eu?
― Enquanto o seu marido sai para trabalhar, você recebe esse aí às escondidas. A rua inteira já sabe.
Todos
os presentes na festa de São Sebastião se entreolharam. O padre comia
um espetinho e ficou com a lasca de carne paralisada nos dentes. Eu não
tinha coragem nem de me mexer. Foi então que Marcos, o marido traído,
disse:
―
Resolvemos mudar para cá porque achamos que era uma rua de pessoas
descentes e boas, mas agora vejo que nos enganamos. Esse moço que pensam
ser o amante de minha esposa é seu irmão caçula. Ele vem todas as
manhãs porque é estagiário de arquitetura e quer estudar.
A
festa acabou, a luz se apagou e todos se foram. Até eu fiquei
envergonhado daquela cena, embora minhas desconfianças permanecessem
dentro do meu íntimo. O casal pôs o sobrado à venda e se mudou pouco
tempo depois. A casa ficou um ano fechada e agora vejo pela janela que
retiraram a placa de vende-se".
Adriano Curado
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