As
chuvas intermitentes prenunciam nas paragens áridas a chegada de
mais um inverno, e com ele a esperança de tempos amenos. A tênue
garoa se avizinha caindo no chão, e condensando-se na poeira exala o
odor da terra molhada que vai aos poucos sufocando a quentura e o
mormaço que doravante dará lugar ao lamaçal de barro. O sol em sua
pujança se esconde entre as cinzentas nuvens numa aquarela incolor,
onde o dia mais parece a tarde ao se debruçar nos braços da sombria
e gélida noite. Os ventos ululantes insistem em espalhar sobre a
terra velhas folhas, que se desgrudam das copas das árvores numa
despedida sem reencontro, fazendo-as tapete que ornamenta o
infrutífero solo.
Nesta
amálgama de estações e cores tão peculiar ao homem camponês,
acostumado a pouco pão e muito suor como corolário de uma
existência arraigada à terra e ao seu destino, eis que surge por
entre os dias que passam um instante de êxtase que se confunde
mormente num festejo quase que perene. E como estigma enviado das
maiores alturas, num sonoro eco ascende aos céus num cortejo
iluminado e repleto de significado o foguetório, numa lídima
demonstração de crença a tríade cristã patronímica do mês de
junho.
O
cheiro da pólvora que ao explodir penetra nos órgãos olfativos
trás em si muito mais que meros ingredientes químicos, denota num
sinal visível do momento comemorativo que se faz jus. A madeira
estalando sob a lamina afiada do machado que ignora do que é feito o
cabo que lhe dá sustentação, numa cantoria fúnebre vai pendendo
de lado até tombar definitivamente , cumprindo destarte a sentença
que fora destinada – alimentar a fogueira.
E
as homenagens tomam forma num cortejo religioso e popular, nascidas
no imaginário lúdico do caboclo nordestino e rural. No sumário de
louvação e santidade aos ícones, surge abrindo os festejos aquele
cuja vocação é unir os corações dos eternos enamorados. Santo
Antonio de Pádua comumente aclamado como casamenteiro e protetor das
famílias é o primaz ao receber dos fiéis a veneração por sua
fama e devoção ao menino Deus, que carrega junto de si em seus
braços.
As
multicolorias fitas que adornam os vestidos rendados das moças, as
alpargatas de couro costuradas à mão e o bailado no chão de terra
batida dos arraias, demonstram a beleza não apenas estereotipada mas
sobretudo o esplendor de uma tradição legada pelos antepassados e
cuja perpetuação já é assim explicitada. Entre os passos ritmados
ao som do tropel e embalados pela cantoria o arrasta pé dá inicio
as quadrilhas que ao redor da fogueira dão um espetáculo de alegria
e festa.
Neste
turbilhão de emoções transubstanciadas em comemorações juninas,
a mesa já posta inebria até os olhares mais desatentos. O milho se
transforma em inúmeros aperitivos. O que era simplesmente o vegetal
plantado nos vastos campos quando da passagem do dia de São José
e colhido três meses após, agora é usado como ingrediente de
bolo, canjica, pamonha e outras nomenclaturas típicas e
regionalistas. E prossegue o desfile de estandartes na terra comum
dos homens, e o santo tão criança ao carregar entres os braços o
carneirinho e coberto de finíssima pele de camelo tem seu nome
lembrado como o “batizador”
do Messias em águas do Jordão - São João Batista – é quem
recebe os louvores da turba.
E
novamente as águas que ousam cair insistentemente por sobre o solo,
o faz como espécie de bênção fazendo germinar do seio da terra um
broto de vida e esperança. As intempéries e dissabores são
retemperados pela frescor das chuvas que regam as plantações e
lavouras, modificando a cor vermelha resultante da sequidão e
estiagem num verde viçoso. As súplicas e rogos do nordestino
ascendem aos céus endereçadas ao porteiro das moradas eternas, ao
portador da chaves que abrem as portas em direção ao trono
celestial - São Pedro Apóstolo.
No
cume das torres das igrejas, os sinos ecoam em uníssono aclamando
entre os homens aqueles que deles nasceram , viveram suas dores e
imperfeições mas se sublimaram na oferta e vocação ao chamado de
santidade. E num gesto de profundo respeito e agradecimento o
nordestino se curva e com a mão sobre o peito ousa proferir:
“A bênção, meu Santo Antonio, São João e São Pedro”.
* * *
Texto
do escritor Olegário
Venceslau
da Silva,
que é membro
da Academia Alagoana de Cultura, da
Academia Maceioense de Letras e da
Academia
de Letras e Artes do Nordeste. É
também Membro Correspondente da APLAM.
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