Maria José Jaime

Estava escrevendo um texto por compromisso profissional, quando recebi uma triste notícia. Morreu Bizeh – Maria José Jaime - uma grande companheira dos bons tempos do combate à ditadura, vitimada de câncer após dois anos de luta. Bizeh não foi pouca coisa. Primeira mulher a ser membro do comitê central da Ação popular, teve que recorrer ao exílio no Chile para não ser assassinada pela ditadura militar. A sanha contra nossa Bizeh era imensa, e que o diga o meu corpo que levou várias porradas só para dizer onde ela estava. Felizmente não tenho esta dor de consciência, pois sequer admiti que a conheci. Mas não se vive só de passado, embora o dela deva ser reverenciado. Afinal de contas, quem foi Bizeh?

Casada, à época, com Jair Ferreira de Sá - o companheiro Dorival, que era o principal dirigente da Ação Popular e que eu, nos meus verdes anos, o considerava como o Mao-Tsé-Tung brasileiro – ela foi peça decisiva na articulação da greve de Osasco de 1968 e no Primeiro de Maio que expulsou Abreu Sodré do palanque, no mesmo ano. Pois é, Ellio Gaspari não conta isto em seu livro sobre o regime militar. Mas quem conhece a história de perto, sabe que ela estava por tras dos bastidores. Maria José Jaime – a minha e a nossa Bizé – não era uma peça museu. Quando voltou do exílio, articulou o Instituto de Estudos Sócios Econômicos – INESC- que, em parceria com o Diap, prestou e presta relevantes serviços ao país e, sobretudo, para o entendimento do mundo sindical e deste nosso parlamento.

Sucessivas vezes Fernando Henrique elogiou Maria José Jaime e o trabalho positivo desempenhado pelo INESC que ela criou, muito embora a nossa Bizeh não fizesse nenhuma concessão quanto à avaliação do seu governo. Mas os democratas são assim mesmo. Sabem conviver com as divergências e enxergar o valor do ser humano, mesmo quando eles são cáusticos nas suas críticas. Só os pobres de espírito entendem a divergência como uma anátema e fazem do mundo uma eterna chatice. Felizmente, nem FHC e muito menos Bizeh foram contaminados por este mal.

Na minha juventude tive paus homéricos com Maria José Jaime. Por mais sectário que eu fosse, achava que ela exagerava na dose. Sua dureza deixava-me chocado e disse isto em todas as entrevistas que dei para os pesquisadores que estavam tentando reconstruir a história de Ação Popular. Mas qual não foi a minha surpresa, há um ano e meio atrás, ao receber um e-mail de Bizeh comunicando que estava com câncer e que se recolhia para administrar sua doença. Senti ali um enorme ser humano, sofrido, e que sempre quis o melhor para este nosso planeta terra.

Agora ela se foi, deixando um enorme vácuo. Diante dele registro apenas o seguinte: sem Bizeh o mundo fica mais chato e muito menor.


(Tibério Canuto) 23/11/2007

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