A SOLIDÃO DE EMILY DICKSON
Brasigóis Felício
A mais abissal solidão
não foi a de Noé,
em sua arca,
quando só havia
a treva
em toda a terra.
Mais espantosa solidão
foi a de Emily Dickison
na fazendola de seus pais,
nos confins da Inglaterra
- de onde jamais saiu,
a não ser para ver morrer
parentes e vizinhos.
No inverno de sua desesperança
sentia-se, como Noé,
sozinha no mundo.
Sequer moveu-a a fé
no reino das palavras: não
escreveu para que a amassem
nem escrevia porque
amasse alguém.
Escrevendo para não morrer,
só viveu para escrever.
Jamais amou, nem foi amada
nem viu arder a chama da alma
pela beleza transfigurada.
Seu único deleite era ver
pessoas acabando-se
em seu leito de morrer,
como se fora o ver
a morte
o seu único prazer
- o diálogo possível
com a vida,
neste mundo de morrer.