Coisas da fala (e do pensar)

                            
É bom conversar com crianças. Principalmente as crianças de pré-escola – a fase em que o pensamento já se reveste de lógica, uma espécie de gramática está bem estruturada nas pequeninas mentes e as palavras conhecidas ganham novas construções.

Luiz Henrique gostava de se sentir “nomocionado” (emocionado) e conta que choveu “granismo”; Gabriel fez uma “cerurgia”, com a primeira vogal aberta, tal como em “corativo”- referindo-se ao mesmo ato médico. Gosta de ver desenhos na “tevelisão” ou no “mucuntador” (computador), “bulhancia” que vai para o “ispital” e muitas outras preciosidades. Como bom goiano, réplica mais interiorana do mineiro, ele chama qualquer coisa de “um quenócio” ou “quenocim” (negócio, negocinho). Bom goiano, mas nascido em São Francisco da Califórnia; gosta de pequi e de “machinelo”, além de “santili” no “coquiqueique”.

Tudo bem, coisas da infância que tenta descobrir o mundo e seus encantos, e junto com tudo isso os nomes dos “quenócios”. Cuido sempre de registrar essas criações espontâneas e ingênuas, respeitando-as e buscando corrigir a tempo. Conheço uma senhora que tinha dois filhos; o mais novo ficou determinado como caçula e aos quatro anos o menino já começava a falar tudo corretamente.

Essa mãe, em crise de auto-piedade (não queria ficar sem o neném; mas os nenéns crescem), começou a forçar a barra, induzindo a caçula a falar errado, como se, aos quatro anos, tivesse dois. Em pouco tempo, o menino, que já estava na escola, começou a dar mostras de que desaprendia tudo. A professora provocou, a diretora entrou no circuito e o pequeno foi parar numa fonoaudióloga. A mãe recebeu as merecidas reprimendas das profissionais da Educação e da Fala.

Tudo bem: a gente sabe que a fala representa bem a capacidade do cérebro (outra palavra interessante para o citado Gabriel: “céburo”): o aparelho fonador repete o que a “massa cinzenta” concebe ou entende.

Admiro muito a competência dos coleguinhas de rádio e tevê, sobretudo os da área esportiva, pela fluência verbal e a velocidade com que conseguem narrar uma partida movimentada. Alguns deles fizeram história e, infelizmente, não foram seguidos como exemplos por grande parte das gerações que os sucedem. Sei de muitos jornalistas de boa cepa e professores dedicados que colecionam “pérolas” desses falantes narradores e comentaristas. Há muitos fatos notáveis, grande capacidade de criar figuras literárias e de linguagem, uma incrível e invejável competência para dar plasticidade ao que narram, ou seja, permitir que criemos imagens a partir de suas narrativas.

Mas há alguns...

O rádio do meu carro fica sintonizado, em 90% do tempo, numa emissora “que toca notícias”. Como sabemos, as grandes emissoras do eixo-maravilha só incluem nosso noticiário em seus programas quando aqui acontece algo na linha do “mundo cão”. Até a previsão do tempo, nessa rádio, é discriminada – o enfoque maior é para o Sudeste e o Sul, de modo que Norte, Nordeste e Centro-Oeste são “o resto” do país.

Bem: todos sabem o que é uma “via marginal” (as que seguem a margem ou as margens de um curso d’água); não confundir com “via lateral”, que são as vias paralelas a uma principal (quase sempre uma rodovia). Pois bem: em Goiânia, as marginais são poucas – até agora, somente os córregos Botafogo e Cascavel têm suas Marginais. Pois o âncora fez a chamada e a repórter, transmitindo do local, repetiu: “A polícia encontrou o cadáver de uma mulher num córrego da Marginal Cascavel”.

Tá bom!

Texto do Acadêmico Luiz de Aquino, publicado originalmente em http://penapoesiaporluizdeaquino.blogspot.com.br/