O balão vermelho
Com a chegada do final
de ano, uma amiga me convidou para fazermos um ato de caridade. Ela
ia à santa casa, na ala pediátrica do câncer, levar alguns
presentes para os pacientes. A princípio confesso que fiquei com
preguiça. A gente se acostuma ao ritmo de vida, mantém a rotina,
quer que o cotidiano não saia do previsível. Mas diante da
insistência dela, topei. O que não sabia é que aquela experiência
mudaria toda minha vida.
Chegamos por volta das
nove horas e logo fomos cercados por dezenas de garotos desejosos de
atenção. Procuramos atender a todos, contar notícias disso ou
daquilo, falar da visita do Papai Noel. Eu me senti meio perdido. Era
a primeira vez que ia a um lugar desses. A gente houve falar que
existe, pensa que isso não nos diz respeito, mas no fundo qualquer
de nós pode um dia ir parar lá.
O mais interessante veio
quando eu olhei pela porta no final do corredor e vi uma garotinha
careca, sentada na cama, ligada por tubos a aparelhos. Ele sorriu
para mim com uma intensidade que jamais pensei presenciar em alguém,
e em seus olhos havia um brilho ofuscante. Fiquei hipnotizado por
ela, o barulho dos outros garotos cessaram e eu caminhei como zumbi
até seu quarto.
Seu nome era Sandy, ele
tinha nove anos de idade, órfã criada num orfanato, sem qualquer
noção de família. Minha amiga me contou que fora diagnosticada com
um câncer agressivo no pâncreas e tinha pouco tempo de vida.
Sentei-me numa cadeira ao lado da sua cama e ficamos os dois em
silêncio absoluto, como se não precisássemos de palavras para
conversar. E o mais interessante é que ela não parou de sorrir um
instante sequer.
Não podia lhe dar uma
guloseima qualquer, por causa do tratamento, e nem uma flor eu trazia
para presenteá-la. Expliquei-lhe isso e ela me disse que seu maior
sonho era ganhar um balão vermelho em formato de coração. Ela era
fascinada por isso mas nunca lhe deram um de presente. Contou também
que o médico havia lhe contado que ela logo sairia dali e que
provavelmente teria uma família linda para adotá-la. Eu tentava
desviar o pensamento, olhar para outro lugar, mas não deu. Desabei
desesperadamente num choro convulsivo porque sabia que nada daquilo
ocorreria. Ela então estendeu o bracinho magro e machucado pelas
agulhas, passou a mão no meu cabelo e disse para eu não chorar, que
o melhor da vida era poder sonhar.
Voltei para casa
arrasado naquele dia. Na boca um gosto amargo de impotência, remorso
de tanto tempo desperdiçado na vida em ações inúteis. Quem era eu
neste universo tão louco e injusto?
Na noite de Natal, antes
de cear com meus familiares, fui visitar Sandy e dei-lhe de presente
um imenso balão vermelho de coração. Ela me viu e soltou uma
gargalhada gostosa, sapeca. Disse que saltaria e daria cambalhotas se
pudesse. Não precisava fazê-lo, seu olhar demonstrava toda a
alegria de viver. Conversamos por longo tempo, ela sempre abraçada
no presente, que beijava e acariciava. Quando sai, disse-me: “Deus
lhe pague”.
Viajei do Natal até o
Ano Novo, e quando voltei, com um brinquedo desses eletrônicos e
sofisticados debaixo do braço, fui ver Sandy e surpreendê-la com o
presente. Quando estacionei o carro, de longe vi seu imenso balão
preso numa das torres da santa casa. Ele acenava para mim, parecia
querer se desprender e voar. A menina não viu o novo ano, morreu dia
trinta durante o sono.
Eu chorei. E como
chorei, meu Deus. Até agora, enquanto escrevo este texto, sinto
lágrimas quentes na face. Por que fui viajar? Podia fazer isso em
qualquer época! Remorso? Talvez. Acho que é mais aquela sensação
de impotência a que me referi antes. Quando ela morreu, alguém
pegou o balão e soltou pela janela, mas ele se recusou a ir embora,
ficou ali para me dar a triste notícia.
Isso aconteceu há cinco
dias, mas parece que foi agora mesmo. Estou ainda arrasado e sem
palavras. Este texto deve estar muito ruim, escrito assim de jato.
Mas eu aprendi muito com a menina Sandy, e eu prometo a ela que vou
viver diferente de agora em diante, vou prestar mais atenção no que
me circunda. Voltarei a olhar e ver.
Adriano Curado