Marlene Fleury

MARLENE FLEURY




     Marlene Fleury (Pirenópolis 25.6.1940 – 28.2.2013) foi professora, catequista e uma grande incentivadora da cultura pirenopolina.

     Filha de Ilda Siqueira e Boanerges Fleury, Marlene era a mais velha das quatro filhas do casal. Tataraneta do grande maestro Antônio da Costa Nascimento (Tonico do Padre). Sua mãe era uma afamada costureira em Pirenópolis, excelente bordadeira, especializada em vestidos de noiva. Seu pai era um modesto caminhoneiro.

Casarão onde nasceu Marlene Fleury
     Dona Marlene nasceu com um grave desvio nas vértebras da coluna, deficiência que a fazia caminhar torta, mas sua habilidosa mãe conseguia contornar o problema com discretos reparos nos vestidos. Só que seu pai não se conformava com isso, então juntou todas suas economias e em fevereiro de 1954 internou-a no Hospital das Clínicas em São Paulo/SP. Durante a cirurgia, um provável erro médico a deixou paraplégica. Nem sentar ela podia mais, passaria o resto da vida deitada numa cama.

     E o que para a maioria das pessoas seria um inferno existencial, para ela se tornou uma forma de melhorar a qualidade de vida das pessoas. No velho casarão que pertenceu a Tonico do Padre, ali na lateral da Matriz, dona Marlene montou sua escolinha de cultura. A juventude que lá frequentava aprendia a tocar violão, bordar, pintar, desenhar as primeiras letras, mas o maior dos ensinamentos era mesmo a “vida”.


     Ela parou de estudar na 4ª série, pois para chegar à escola precisava ser carregada degraus acima, e isso era feito por sua mãe. Seu pai suicidou-se logo após o resultado desastroso da cirurgia. Esse fato foi um marco em sua vida. A partir daí, ela teve que se contentar em viver dentro de sua limitação. Inscreveu-se no Instituto Universal Brasileiro e, por correspondência, fez cursos profissionalizantes de crochê e bordado. Depois de formada, tornou-se funcionária pública da Prefeitura Municipal, embora ministrasse suas aulas em casa.

     Em seu sangue corria o gênio musical do tataravô Tonico do Padre e então ela aprendeu sozinha, apenas guiada pelo ouvido, a tocar o violão, instrumento que dominava muito bem. Era emocionante vê-la encaixar o violão no travesseiro e dedilhar suas cordas em solos que pareciam uma sinfonia de anjos. Seu espírito de colaboração com o próximo fez com que se tornasse também professora de violão e canto. Minha irmã estudou com dona Marlene.


     Sua verdadeira vocação era tornar-se freira, e isso vinha das missas que assistia na Matriz, mas devido à sua deficiência ela ficou impossibilitada de seguir para um convento. Então tornou-se catecista, e preparava crianças e adolescentes para a Primeira Comunhão, um dos sacramentos da Igreja Católica.

     Com a morte dos pais e o casamento das irmãs, Marlene decidiu que precisava ajudar mais pessoas. Em 1989, ela partiu de Pirenópolis para percorrer o Município e levar seu exemplo de humildade, sempre no afã de repassar os ensinamentos que aprendera. Em vinte anos ela percorreu doze povoados, até se aposentar em 2000 e se estabelecer em Caxambu.

     A comunidade local a ajudou a construir uma casa modesta, com portas largas para ela circular com sua cama de rodas. Ali ela passou a morar sozinha. Cozinhava num fogareiro ao lado da cama, onde havia uma pia e secador de pratos. No tanque, lavava a própria roupa e através de um sistema de roldanas, punha-as para secar ao sol lá no terreiro.

     Sua atividade em Caxambu continuou intensa. Ela ministrava aulas do Catecismo Católico aos adolescentes locais, e ainda ensinava desenho, pintura, bordados, crochê, tricô, violão etc. Tudo isso eu soube quando fui visitá-la em sua casa e ficamos horas em animada conversa. Ela era minha leitora, gostava de receber meus livros e depois me enviava cartas com críticas muito bem recebidas.

     Em 2010, dona Marlene adoeceu e não pôde mais ficar em Caxambu. Necessitava de cuidados médicos mais intensificados e então voltou a Pirenópolis. Sua saúde desde então passou a se deteriorar rápido e ela faleceu em 28 de fevereiro de 2013, aos 72 anos de idade.

Tonico do Padre, tataravô de Marlene

     O exemplo de vida dessa mulher singular precisa ser seguido. Ela nunca reclamou de nada, tinha sempre um sorriso no rosto e uma palavra de conforto. Jamais se apegou a nenhum bem terreno, inclusive lia os livros que ganhava e os repassa, pois achava que os outros também precisavam ter o oportunidade de lê-los.

     Por tudo isso, Marlene Fleury merece figurar entre os nossos biografados.

Fonte:

PINA, Braz Wilson Pompeu de. Antônio da Costa Nascimento (Tonico do Padre), um músico no sertão brasileiro. Revista Goiana de Artes, Instituto de Artes da UFG. Vol. 7, N 1º – jan./Dez. De 1986.
JAYME, Jarbas. Famílias Pirenopolinas (Ensaios Genealógicos). Goiânia, Editora Rio Bonito, 1973. Vol. II.

Minhas próprias memórias.

As fotografias de dona Marlene pertencem à Família Fleury